quinta-feira, 5 de setembro de 2013

ANÁLISE AO ACÓRDÃO DO STA DE 30-01-2013, PROCESSO Nº 0993/12.



As Exigências de Certificações das Normas ISO







           SUMÁRIO:
I. Introdução. II. Enquadramento do Tema. a)- Tipos de Procedimentos Compatíveis com as Normas ISO. b)- Noção, Vantagens ou Benefícios das Normas Internacionais ISO. III. Fundamentos Doutrinárias e Jurisprudenciais. IV. Posição Adotada.




ABREVIATURAS


ISO-----------------------------International Organization for Standardization.

CA-----------------------------------------------Conselho de Administração.

CPTA-------------------Código de Procedimento nos Tribunais Administrativo.

TAC----------------------------------------Tribunal Administrativo de Circulo.

TCAS----------------------------------Tribunal Central Administrativo do Sul.

TCAN--------------------------------Tribunal Central Administrativo do Norte.

STA-----------------------------------------Supremo Tribunal Administrativo.

CCP-------------------------------------------Código de Contratos Públicos.

ANACOM-----------------------------Autoridade Nacional das Comunicações.





I. INTRODUÇÃO


Nesta excursão incidiremos sobre uma matéria que suscita muitas curiosidades na doutrina, ora por parecer de extrema complicação (ab initio), ora por ser relativamente recente – refere-se as exigências de certificações das normas ISO como documentos de habilitação (ou não) de um concorrente. Um certo concorrente exigiu o cumprimento das exigências do ponto 8 do Programa que continha as tais exigências de certificações, no âmbito de um concurso público, foi objecto, recentemente, de uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo numa ação de contencioso pré-contratual, donde brotou o acórdão de 30 de Janeiro de 2013, disputado entre A….., S.A- inicialmente Autor e ICP-ANACOM e B…...,S.A. (inicialmente Réus).

O acórdão em questão, lança uma perspetiva de encarrar as exigências externas (comunitárias) e as suas compatibilizações com os regimes jurídicos internos. Ora estamos em face dum problema que surgiu na esfera da contratação pública, mormente a modalidade do procedimento do concurso público, onde os princípios gerais que gerem a administração pública continuam a merecer destaque, são eles: o princípio da estabilidade das regras concursais, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e o princípio da concorrência.

Para não afetar de modo insustentável o princípio da concorrência, o artigo 165/1 e 3 do Código dos Contratos Públicos, doravante CCP, plasmou a obrigação duma relação adequada entre os níveis mínimos de capacidade técnica/financeiras exigidas e as particularidades, complexidade de execução e dimensão econômica do contrato. Após o enquadramento do tema, contamos fazer recenseamento de algumas opiniões firmadas na doutrina, apreciaremos os critérios seguidos na jurisprudência e finalmente ofereceremos uma breve resenha sobre o porquê das normas de certificações ISO, com que tipo de procedimento contratual, elas se identificam mais e, consequentemente, manifestaremos a nossa concordância ou não com a solução propugnada no acórdão objeto do trabalho.

  
II. ENQUADRAMENTO DO TEMA

Importa assinalar, antes de mais, que a contratação pública é a parte do procedimento administrativo contratual que cuida da arquitetura dos contratos públicos, que vai desde a decisão de contratar, determinação do procedimento pré-contratual, as respectivas fazes de formação do contrato e que entroncam na celebração do contrato.

Não é menos importante deixar uma linha separatista entre a realidade da contratação pública e a realidade do contrato administrativo, pois o primeiro guia-nos para o âmbito do procedimento administrativo contratual, enquanto o segundo preocupa com o âmbito dos contratos em si, ou melhor dizendo, dá uma elevada ênfase ao acordo de vontade, no fundo, é um contrato celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos.

Na mesma esteira, há quem tenha ido mais longe, tratasse do Pedro Miguel Matias Pereira ao afirmar que, não existe qualquer relação de necessidade ou de continuidade entre os contratos administrativos e os contratos públicos, tanto assim que podemos ter contratos administrativos que não são contratos públicos e contratos públicos que não são contratos administrativos.

Se as dúvidas ainda persistirem, a dissipação das mesmas são trazidas expressamente no código dos contratos públicos, que reserva a parte II (que vai dos artigos 16 à 277-com as flexibilizações previstas no artigo 1º/1 e 2) à contratação pública e a parte III (dos artigos 278 e ss) à contratos administrativos.

Posto isto, torna imperativo sumariar o acórdão no sentido de clarificar a origem do problema que nasceu a quando da pretensão da autora (A……S.A, empresa não adjudicado no concurso público) em ver o procedimento reconcursado e transbordando, aquilo que inicial era, concurso público em concurso limitado por prévia qualificação, pois só dessa forma poderiam ser introduzidas as exigências de normas de certificação ISO (que significa: International Organization for Standardization) – o que potenciava-lhe ser o candidato adjudicado, na medida em que, aparentemente, era detentor das tais certificações e uma vez que o candidato, ora adjudicatário não se predispusesse a apresenta-las, julgando serem desnecessárias em face do artigo 81 °/ 6 do CCP, apesar de constarem da parte final do nº 8 do Programa do concurso, cuja o teor é: documentos de habilitação.

Ao que tudo indica o processo começou com uma impugnação graciosa, máxime reclamação, junto da Autoridade Nacional das Comunicações no sentido de declarar caduca a adjudicação da empresa B………S.A ao concurso público para implementação e gestão de sistemas de informação centralizado. Não tendo sido reconhecido razão ao reclamante por aquela entidade, decidiu - o reclamante - partir para a impugnação contenciosa intentando, assim, ação de contencioso pré-contratual no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, demandando conjuntamente a ICP-ANACOM (na qualidade de entidade adjudicante) e a empresa adjudicada B……S.A (na qualidade de adjudicatário). Formulou alguns pedidos dentre os quais destacamos: o de anulação da deliberação do conselho de administração da ICP-ANACOM, subsidiariamente a este, ainda pediu a condenação da entidade demandada a praticar ato administrativo que se traduz na nova decisão de contratar por procedimento diverso, desta feita por procedimento de concurso limitado por prévia qualificação onde, do programa do concurso, passará a constar a obrigatoriedade da verificação das exigências de certificações das seguintes normas ISO:

ISO / IEC 2000-1:2005 – Que versa sobre as Tecnologias da Informação e Gerenciamento de Serviços. Define os requisitos para um provedor de serviços de modos a oferecer serviços gerenciados. Ainda ajuda aos tais provedores de serviços a compreender como melhorar a qualidade do serviço prestado aos seus clientes, tanto internos como externos.

ISO / IEC 27001: 2005 – É um conjunto formal de especificações em relação ao qual as organizações podem pedir a certificação independente do seu sistema de gestão da segurança de informação, conhecido pela sigla: (SGSI)

ISO 9001:2008 – Conhecida por sigla SGQ (Sistema de Gestão da Qualidade) – Estabelecem os requisitos para um sistema de gestão da qualidade dentro duma organização. Incitam uma demonstração, por parte das empresas, em fornecer os produtos de forma coerente. Os seus requisitos são genéricos e pretende-se que sejam aplicáveis a todas as organizações, independentemente do tipo, tamanho e produto que elas fornecem. 

ISO 14001: 2008 – Diz respeito ao Sistemas de Gestão Ambiental – contém requisitos com orientação significativos sobre os aspectos ambientais e o seu respetivo uso. É aplicável a qualquer organização que deseje estabelecer, implementar, manter e melhorar um sistema de gestão ambiental. Na realidade atestam a existência de conformidade das políticas ambientais das organizações.

Perante os olhares do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, na sentença fls. 213-247, não só foi julgado improcedente o pedido impugnatório dirigido contra a deliberação do conselho de administração do ICP-ANACOM de 20 de Outubro de 2011, como também foram desconhecidos os pedidos condenatórios por estarem na dependência do pedido impugnatório.

A autora (A…..S.A) não se conformou pelo que interpôs o recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo Sul, que concedeu parcial provimento ao recurso, no seu acórdão fls 446-476, no qual revogou a decisão proferida pelo tribunal a quo e, concomitantemente, anulou a deliberação do CA da Anacom de 20-10-2011. No fundo concordou com a caducidade da adjudicação à empresa B…….S.A, mas ao mesmo tempo diz alto aí: não é pelo facto de caducar o direito da empresa B é que faz da empresa A, diretamente, o adjudicatário. Com efeito julgou prejudicado o conhecimento do primeiro pedido subsidiário e julgou improcedente o segundo e terceiro pedido subsidiário.

A autora (daqui em diante recorrente) continua incansável, manifestou o seu inconformismo através da interposição do recurso de Revista junto ao Supremo Tribunal Administrativo, a luz do artigo 150 do CPTA, sobre a parte do acórdão do TCAS que lhe foi desfavorável. Ou seja, só depois de passarmos por estes 3 processos (reclamação, ação judicial e recurso da decisão) é que, finalmente, chegamos ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-01-2013 – onde se insere o tema que deu azo ao presente trabalho.

A Recorrente apresentou as suas alegações em sede de recurso e, como não podia deixar de ser, o recorrido, por seu turno, também contra-alegou e o STA proferiu o acórdão – assunto que contamos retomar infra (no ponto III), justamente porque consideramos ser imprescindível dar, de imediato, a conhecer o real conteúdo da norma em questão, o seu encaixe nas tipologias procedimentais e fundamentalmente as suas vantagens.    

a) - Tipos de Procedimentos Compatíveis com as Normas ISO

Na verdade parece óbvio não fazer sentido algum, integrar no ordenamento jurídico português exigências externas sem adequá-las ao regime jurídico português. Ora isto não significa que advogamos a subestimação das normas de condutas que primam pela melhor qualidade dos serviços. Apenas queremos alertar para a necessidade de direcionamento das tendências globais aos tipos certos de procedimentos em que haja, verdadeiramente, o cabimento. Até porque, segundo as orientações da Professora Maria João Estorninho, in curso dos direitos dos contratos públicos – por uma contratação pública sustentável, pág. 66, o princípio tradicional segundo o qual o contrato público obedece ao direito interno do Estado a que pertence a entidade pública que o celebra já não é estanque em tempos hodiernos, uma vez que os próprios contratos geram necessariamente fenômenos de internacionalização, ou seja é a própria globalização jurídica que está em causa.
  
No entanto, é sabido que a fixação de requisitos positivos de participação não se coaduna com a modalidade do Concurso Público, p.ex. (ou pelo menos não são de admitir como elementos de habilitação, porquanto não existe no concurso público uma fase de qualificação). 

Nesse mesmo sentido veja-se a opinião conjunta dos advogados Marco Real Martins e Miguel Assis Raimundo, constante num artigo com o seguinte tema: Documentos de habilitação e documentos de qualificação nos procedimentos de formação de contratos públicos, publicado em www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/MartinsRaimundo.pdf, onde alertaram sobre a maior controvérsia na dogmática da contratação pública atual, que se prende com a distinção entre documento de habilitação (artigo 81 do CCP) e documentos destinados a qualificação (previsto no artigo 168 do CCP). Nesse artigo, os autores, elucidaram que o legislador na tentativa de estabelecer uma distinção nítida entre concurso limitado por prévia qualificação e o concurso público optou por reservar a fase de qualificação, por excelência, ao concurso limitado por prévia qualificação, constituindo para os outros tipos de procedimento uma opção - mutatis mutandi (o itálico é nosso).

 Por isso é que a lei concede uma discricionariedade à entidade adjudicante, dando-lhe uma considerável possibilidade de optar ou pela realização do Concurso Público (abdicando de certas exigências subjectivas e apreciações de qualificações das empreses concorrentes) ou pelo Concurso Limitado – onde é unanimemente consentido a introdução das exigências de qualidades positivas, nomeadamente os documentos de certificação das normas ISO.

Para adoção de procedimento do concurso limitado por prévia qualificação, a lei exige uma fundamentação a fim de justificar a preferência pelo tipo do procedimento (na qual é sempre exigida razões ponderosas com vista a realização do interesse público), aliás é uma decorrência do dever de fundamentação previsto no artigo 38 do CCP. Ainda parece ser exigível o preenchimento de alguns princípios balizadores da contra pública em Portugal. Aliás é o que resulta da doutrina atual e atenta do Professor Miguel Assis Raimundo, na qual teve cuidado de explicar detalhadamente, passamos a citar, que a escolha dos procedimentos de caráter restritivos do universo concorrencial está, teoricamente sujeitas a um controlo de proporcionalidade na seleção dos agentes econômicos dos quais se admitirá as propostas. Ou seja a proporcionalidade do que aqui se fala, nada tem a ver com a escolha do procedimento em si (em que só é exigida o cumprimento do preceituado no artigo 38 CCP e pouco mais – o itálico é nosso), mas sim com os requisitos de capacidade técnica e financeira à estabelecer. 

Ainda convém notar que não obstante a existência de tal possibilidade de cumprimentos de mínimos de qualidade, é ilegítimo que as tais exigências abranjam toda atividade do concorrente. Isto é, apenas pode abranger uma parte da sua atividade que interessa para a materialização do contrato.

Enceramos a compatibilização duma forma negativa, ou seja a regra de exclusão de partes entra aqui para significar que o concurso público - acima referenciado e o ajuste direto – não referenciado infelizmente supra, não são compatíveis com as tais exigências (pelo menos nas suas fases de habilitação). Ora, o resto dos procedimentos não referenciados supra (o concurso limitado por prévia qualificação, o procedimento de negociação e diálogo concorrencial), são compagináveis - até certo ponto - com as exigências de comprovação de qualidades ou capacidades técnicas aos concorrentes. Isto porque neles existe, em separado, uma fase intermédia de qualificação de candidatos (Cfr. in, Estorninho, Maria João, Curso de direito dos contratos públicos, Lisboa, Almedina, 2012, pág. 374).

b)- Noção, Vantagens ou Benefícios das Normas Internacionais ISO

É quase impossível autonomizar o conceito das normas ISO, o mais adequado é considera-lo como um todo, claro está respeitando as diversas áreas para as quais elas se destinam. Ainda assim, não deixa de ser curioso o facto de, além de serem diversificadas, também são vocacionadas para produzir efeitos diferentes, isto é:

Na esfera do Consumidor/pessoas singular – elas visam garantir que os produtos e serviços sejam seguros, confiáveis e de alta qualidade.

Já na esfera das Empresas/pessoas coletivas – as normas internacionais ISO funcionam como ferramentas estratégicas que reduzem os custos, que minimizem os desperdícios, que eliminam os erros e que, concomitantemente, aumentam a produtividade. Ainda é preciso frisar, neste particular, que além de auxiliar as empresas a aceder aos novos mercados, a cilindrar os terrenos de jogos com vista atingir países em desenvolvimento, ainda vai mais longe ao roçarem as finalidades para as quais foram criadas. Nos dias que correm é perfeitamente percetível que as normas ISO facilitam e aprimoram a verificação da liberdade e da justiça no comércio mundial.

Em concreto, a própria jurisprudência em análise, trouxe a luz do dia uma noção das regras ISO, pois considerou-as como Standards ou regras internacionais que visam certificar que as empresas possuem determinadas práticas, procedimentos, instrumentos ou têm implementado certos sistemas e formas de organização interna, que lhes conferem determinadas competências. Em boa verdade são certificações que visam garantir determinados padrões de qualidade das empresas.


III. FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS

Segue-se, tal como assinalamos supra, a análise propriamente dita do acórdão de STA, sem fazer, claro está, referências aos argumentos utilizados pelas partes, mas sim dedicar especial atenção a decisão.
Ora duma leitura honesta de todo este tracejado, parece resultar, inequivocamente, que a recorrente (A……..S.A) colocou as suas pretensões acima da ratio das exigências de certificações ISO, além de não saber situar o problema, se não vejamos:

1- Fez interpretações abusivas dos preceitos do CCP, ao desvirtuar por completo os conceitos e ao não as colocar nos tipos certos de procedimento e muito menos nas fases certas.

2- É preciso perceber a ratio das exigências de certificações ISO. Aqui torna imperativo furtar as palavras do Professor Miguel Assis Raimundo para explicar que o uso das tais restrições através da fixação normativa das valências de participação encontra a sua fundamentação na necessidade de manter um equilíbrio entre o valor do contrato, os custos do procedimento e a especificidade do objeto do contrato. 

Com efeito, a opção pelo procedimento onde é exigido um nível mínimo de capacidade técnica ou financeira, ou melhor dizendo, onde o princípio da igualdade é limitado pelo princípio do interesse público, prende-se com a preferência em promover os agentes económicos/concorrentes particularmente capazes, experientes ou sólidos. Alias tem sido a flexibilização firmada na jurisprudência nos acórdãos do Tribunal Constitucional nº 645/98 (LUÍS NUNES DE ALMEIDA), proc. 727/96 e no Ac. do TC nº16/99, proc. 817/96 relatado pela Professora Maria Fernanda Palma.

Sempre que a entidade adjudicante pretenda avaliar a capacidade técnica ou financeira dos concorrentes (sem prejuízo da capacidade eventualmente revelada em sede de habilitação) o procedimento adequado é o concurso limitado por prévia qualificação.

A fase de qualificação dos concorrentes (ou candidatos) serve para fazer uma primeira triagem que concede a garantia adicional da utilidade do procedimento. Só que alguns princípios basilares da contratação pública marcam a presença sempre, para afastar os exageros das exigências. 

Sobre o princípio da proporcionalidade, veja-se as questões discutidas no acórdão do TCAN de 25 de Março de 2010 (MEDEIROS DE CARVALHO), proc. 1257/09.7BEPRT, no qual alem dos requisitos de capacidade financeira, também foi considerado desproporcionado um requisito de capacidade técnica que exigia que a empresa de segurança a contratar ao menos 1.000 seguranças inscritos, sendo que o contrato só exigia 42. Também a mesma conclusão se chegou num outro acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 22 de Abril de 2010, proc. 1327/09.1BEPRT, relatado por conselheiro RODRIGUES RIBEIRO, onde se julgou desproporcional exigir 600 seguranças inscritos quando na verdade, no contrato, só era necessário 8.

No que tange ao princípio da concorrência, veja-se o recente acórdão do TCAN, de 31 de Maio de 2013, Proc. 01370/BEBRG, no qual podemos destacar duas nuances: por um lado, o princípio da concorrência, impõe que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar disciplinado e, por outro lado, que cada candidatura apresentada seja avaliada de per si, ou seja, de acordo com os seus méritos e deméritos intrínsecos, sem que possam ou que sejam valoradas quaisquer situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos candidatos ou que exijam pronúncias ou emissões de declarações de vontade de entes terceiros que aqueles candidatos não controlem ou não possam controlar e que condicionam a possibilidade de candidatura ou interfiram com os critérios de avaliação das propostas. Está-se a chamar atenção para, no âmbito do concurso público, as entidades adjudicantes se concentrarem apenas na avaliação das propostas em si e não nas qualidades específicas das empresas concorrentes.

Existe uma dúvida enraizada no acórdão, trata-se de uma das interpretações abusivas que a recorrente fez e que coloca dúvidas ao leitor, tem que ver com a interpretação que deu ao artigo 81 / 6 no sentido de ser «uma via verde» para exigência de certificações ISO, quando na verdade não é. Ou seja, só se consegue acabar com a tal dúvida apoiando na doutrina da Margarida Olazabal Cabral que afirma ser «absolutamente claro que o artigo 132, por remissão do artigo 81, nº 6, ao permitir que o programa do concurso exija documentos de habilitação, não está a autorizar a que no concurso público se exijam requisitos de capacidade técnica».

Esta doutrina foi acolhida por Marco Real Martins e Miguel Assis Raimundo, que consideraram que seria, realmente, muito estranho que o legislador se preocupasse em retirar da tramitação do concurso público a possibilidade de diferenciar capacidade técnica e financeira, e depois viesse, de forma enviesada, acabar por consagrar resultado semelhante, com a agravante de que aqui seria uma qualificação pós adjudicação.

Finalmente repescamos uma posição, (Cfr. em documentos de habilitação e documentos de qualificação nos procedimentos de formação de contratos públicos, Marco Real Martins/Miguel Assis Raimundo, págs. 20 e 21.), que definitivamente esclareceu todas as dúvidas, ou seja: os comprovativos da certificação, em regra, não deveria ser solicitado pelas entidades adjudicante em sede de habilitação do adjudicatário, porquanto esse documento não será, em princípio, legalmente exigido para titular as habilitações necessárias à prestação dos serviços em causa. Por sua vez, quanto a questão de saber se estes mesmos documentos podem ser exigidos a título de documentos destinados à qualificação (que não o caso do acórdão), atentas as manifestações do princípio da proporcionalidade constantes do nº 1 e 3 do artigo 165 º do CCP, aqui sim a resposta é, em princípio, afirmativa; Veja-se nesse sentido o próprio artigo 165,n 1, in fine, quando refere os “sistemas de controlo de qualidade”, e alínea d), que se refere à “capacidade dos candidatos adotarem medidas de gestão ambiental no âmbito da execução do contrato a celebrar”. 

Conclui-se que neste último caso a entidade adjudicante disporá de uma discricionariedade considerável na seleção dos documentos que lhe permitam aferir o nível mínimo de capacidade técnica de candidatos, sempre em observância da exigência de conexão interna entre os elementos exigidos, os requisitos de capacidade técnica e financeira e o objecto do contrato.

Ao cabo e ao resto, a exigência de certificação por quaisquer normas que qualidade, em sede de habilitação só é consentida, em caso esteja diretamente relacionado com o objeto do contrato a celebrar.

IV. Posição Adotada

Após uma longa «lengalenga» o Supremo Tribunal Administrativo, avaliou e decidiu julgar improcedente os pedidos da recorrente (A…S.A) e consequentemente julgou: 

I- que a apresentação dos certificados ISO/IEC20000:2005, ISO/IEC27001:2005, IS09001:2008 e ISO 14001:2004, constitui uma exigência que não se relaciona com os requisitos legalmente exigidos para o exercício da actividade, mas que se relaciona com competências ou padrões de qualidade, ou seja, com a qualidade ou capacidade técnica das empresas; 

II- Não pode ser exigida num procedimento de concurso público em sede de habilitação a apresentação dos indicados certificados; 

III- Viola os princípios da estabilidade das regras concursais, da igualdade e da concorrência, a decisão de afastar a regra constante do Programa de Concurso que exigia a apresentação dos certificados ISO, em sede de requisitos de habilitação, já após o ato de adjudicação, com aproveitamento de todos os atos do concurso até essa fase

A curiosidade é claramente saber o que se diga desta decisão?

Na verdade, não podia deixar de reconhecer a intensidade das discussões que foram travadas no presente acórdão. O acórdão é de per si rico, na medida em que envolve um número considerado da doutrina e tem uma vasta lista de consulta da jurisprudência - o que torna relativamente simples a tarefa do julgador, pois as partes acabaram por destruir argumentos dumas as outras.

Ainda assim devo dizer que o STA andou bem, não só por ter colocado do lado certo mas, fundamentalmente, por ter valorizado todos os argumentos e ponderando todos os interesses em jogo. Repare que o Tribunal decidiu não validar a adjudicação para não frustrar as expetativas daqueles concorrentes que olharam para o programa do concurso e decidiram não participar por não estarem habilitados das certificações ISO, seria caricata uma decisão que não protegesse os interesses dos concorrentes que estiveram naquela situação. Na realidade, no concurso público, não há lugar a avaliação a capacidade técnica ou financeira dos concorrentes, para além do que formalmente possa resultar dos próprios documentos de habilitação legal, na medida em que a habilitação, de per si, é reveladora de uma determinada capacidade técnica (e em alguns casos, também financeira) do adjudicatário.

Para avaliação da capacidade técnica não podem ser exigidas provas específicas, no âmbito do concurso público. Duma leitura atenta e conjugada dos regimes prevalecentes dos artigos 51 ° e 81 °/ 6 CCP, resulta que está vedada à entidade adjudicante, a possibilidade de incluir no programa do procedimento do tipo concurso público, a exigência de qualquer documento de habilitação reportado à capacidade técnica ou econômica financeira dos concorrentes. Acresce a isso, o facto de os documentos exigíveis serem apenas os que forem demostrativos da detenção dos requisitos legais necessários ao exercício da atividade relevante. Ora em lado nenhum resulta uma obrigação legal de as empresas estarem na posse dos certificados acima referidos para poderem operar no mercado português, concisamente para fornecer os serviços postos a concurso.

Não se deve confundir o concurso público com o concurso limitado por prévia qualificação, muito menos se deve confundir os documentos de habilitação com os documentos de qualificação. Isto porque, em jeito de conclusão, julgamos que as certificações do que tanto se falou, só podem ser apreciados e exigidos em sede dum procedimento que possua uma fase prévia de qualificação. Ganhamos esta ousadia porque encontramos alicerces, no mesmo sentido, em todas as obras - algumas recentes - que tivemos o cuidado de elencar ao longo e nas bibliografias deste trabalho.




                                     DONE BY: Ricardo Vicente Lima da Costa e Silva.

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