As Exigências de Certificações das Normas ISO
SUMÁRIO:
I. Introdução. II. Enquadramento
do Tema. a)- Tipos de Procedimentos Compatíveis com as Normas ISO.
b)- Noção, Vantagens ou Benefícios das Normas
Internacionais ISO. III. Fundamentos Doutrinárias e Jurisprudenciais.
IV. Posição Adotada.
ABREVIATURAS
ISO-----------------------------International
Organization for Standardization.
CA-----------------------------------------------Conselho
de Administração.
CPTA-------------------Código
de Procedimento nos Tribunais Administrativo.
TAC----------------------------------------Tribunal
Administrativo de Circulo.
TCAS----------------------------------Tribunal
Central Administrativo do Sul.
TCAN--------------------------------Tribunal
Central Administrativo do Norte.
STA-----------------------------------------Supremo
Tribunal Administrativo.
CCP-------------------------------------------Código
de Contratos Públicos.
ANACOM-----------------------------Autoridade
Nacional das Comunicações.
I. INTRODUÇÃO
Nesta excursão
incidiremos sobre uma matéria que suscita muitas curiosidades na doutrina, ora
por parecer de extrema complicação (ab initio), ora por ser relativamente
recente – refere-se as exigências de certificações das normas ISO como documentos
de habilitação (ou não) de um concorrente. Um certo concorrente exigiu o cumprimento
das exigências do ponto 8 do Programa que continha as tais exigências de
certificações, no âmbito de um concurso público, foi objecto, recentemente, de
uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo numa ação de contencioso
pré-contratual, donde brotou o acórdão de 30 de Janeiro de 2013, disputado
entre A….., S.A- inicialmente Autor
e ICP-ANACOM e B…...,S.A. (inicialmente Réus).
O acórdão em questão, lança uma
perspetiva de encarrar as exigências externas (comunitárias) e as suas compatibilizações
com os regimes jurídicos internos. Ora estamos em face dum problema que surgiu
na esfera da contratação pública, mormente a modalidade do procedimento do
concurso público, onde os princípios gerais que gerem a administração pública
continuam a merecer destaque, são eles: o princípio da estabilidade das regras
concursais, o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e o
princípio da concorrência.
Para não afetar de modo
insustentável o princípio da concorrência, o artigo 165/1 e 3 do Código dos
Contratos Públicos, doravante CCP, plasmou a obrigação duma relação adequada
entre os níveis mínimos de capacidade técnica/financeiras exigidas e as
particularidades, complexidade de execução e dimensão econômica do contrato.
Após o enquadramento do tema, contamos fazer recenseamento de algumas opiniões firmadas
na doutrina, apreciaremos os critérios seguidos na jurisprudência e finalmente
ofereceremos uma breve resenha sobre o porquê das normas de certificações ISO,
com que tipo de procedimento contratual, elas se identificam mais e,
consequentemente, manifestaremos a nossa concordância ou não com a solução
propugnada no acórdão objeto do trabalho.
II. ENQUADRAMENTO DO TEMA
Importa assinalar, antes de mais,
que a contratação pública é a parte do procedimento administrativo contratual
que cuida da arquitetura dos contratos públicos, que vai desde a decisão de
contratar, determinação do procedimento pré-contratual, as respectivas fazes de
formação do contrato e que entroncam na celebração do contrato.
Não é menos importante deixar uma linha
separatista entre a realidade da contratação pública e a realidade do contrato
administrativo, pois o primeiro guia-nos para o âmbito do procedimento
administrativo contratual, enquanto o segundo preocupa com o âmbito dos
contratos em si, ou melhor dizendo, dá uma elevada ênfase ao acordo de vontade,
no fundo, é um contrato celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes
ou somente entre contraentes públicos.
Na mesma esteira, há quem tenha ido
mais longe, tratasse do Pedro Miguel Matias Pereira ao afirmar que, não existe
qualquer relação de necessidade ou de continuidade entre os contratos
administrativos e os contratos públicos, tanto assim que podemos ter contratos
administrativos que não são contratos públicos e contratos públicos que não são
contratos administrativos.
Se as dúvidas ainda persistirem, a
dissipação das mesmas são trazidas expressamente no código dos contratos
públicos, que reserva a parte II (que vai dos artigos 16 à 277-com as
flexibilizações previstas no artigo 1º/1 e 2) à contratação pública e a parte
III (dos artigos 278 e ss) à contratos administrativos.
Posto isto, torna imperativo
sumariar o acórdão no sentido de clarificar a origem do problema que nasceu a
quando da pretensão da autora (A……S.A, empresa não adjudicado no concurso
público) em ver o procedimento reconcursado e transbordando, aquilo que inicial
era, concurso público em concurso limitado por prévia qualificação, pois só
dessa forma poderiam ser introduzidas as exigências de normas de certificação ISO
(que significa: International Organization for Standardization) – o que potenciava-lhe ser o candidato
adjudicado, na medida em que, aparentemente, era detentor das tais
certificações e uma vez que o candidato, ora adjudicatário não se predispusesse
a apresenta-las, julgando serem desnecessárias em face do artigo 81 °/ 6 do
CCP, apesar de constarem da parte final do nº 8 do Programa do concurso, cuja o
teor é: documentos de habilitação.
Ao que tudo indica o processo
começou com uma impugnação graciosa, máxime reclamação, junto da Autoridade
Nacional das Comunicações no sentido de declarar caduca a adjudicação da
empresa B………S.A ao concurso público para implementação e gestão de sistemas de
informação centralizado. Não tendo sido reconhecido razão ao reclamante por
aquela entidade, decidiu - o reclamante - partir para a impugnação contenciosa
intentando, assim, ação de contencioso pré-contratual no Tribunal
Administrativo de Círculo de Lisboa, demandando conjuntamente a ICP-ANACOM (na
qualidade de entidade adjudicante) e a empresa adjudicada B……S.A (na qualidade
de adjudicatário). Formulou alguns pedidos dentre os quais destacamos: o de
anulação da deliberação do conselho de administração da ICP-ANACOM,
subsidiariamente a este, ainda pediu a condenação da entidade demandada a
praticar ato administrativo que se traduz na nova decisão de contratar por procedimento
diverso, desta feita por procedimento de concurso limitado por prévia
qualificação onde, do programa do concurso, passará a constar a obrigatoriedade
da verificação das exigências de certificações das seguintes normas ISO:
→ ISO / IEC 2000-1:2005
– Que versa sobre as Tecnologias da Informação e Gerenciamento de Serviços. Define os requisitos para um provedor de serviços de modos a oferecer
serviços gerenciados. Ainda ajuda aos tais provedores de serviços a compreender
como melhorar a qualidade do serviço prestado aos seus clientes, tanto internos
como externos.
→ ISO / IEC 27001:
2005 – É um conjunto formal de especificações em relação ao qual as
organizações podem pedir a certificação independente do seu sistema de gestão
da segurança de informação,
conhecido pela sigla: (SGSI)
→ ISO 9001:2008
– Conhecida por sigla SGQ (Sistema de Gestão da Qualidade) – Estabelecem os
requisitos para um sistema de gestão da qualidade dentro duma organização.
Incitam uma demonstração, por parte das empresas, em fornecer os produtos de
forma coerente. Os seus requisitos são genéricos e pretende-se que sejam
aplicáveis a todas as organizações, independentemente do tipo, tamanho e
produto que elas fornecem.
→ ISO 14001: 2008
– Diz respeito ao Sistemas de Gestão
Ambiental – contém requisitos com orientação significativos sobre os
aspectos ambientais e o seu respetivo uso. É aplicável a qualquer organização
que deseje estabelecer, implementar, manter e melhorar um sistema de gestão
ambiental. Na realidade atestam a existência de conformidade das políticas
ambientais das organizações.
Perante os olhares do Tribunal
Administrativo de Circulo de Lisboa, na sentença fls. 213-247, não só foi
julgado improcedente o pedido impugnatório dirigido contra a deliberação do
conselho de administração do ICP-ANACOM de 20 de Outubro de 2011, como também
foram desconhecidos os pedidos condenatórios por estarem na dependência do
pedido impugnatório.
A autora (A…..S.A) não se conformou
pelo que interpôs o recurso de apelação para o Tribunal Central Administrativo
Sul, que concedeu parcial provimento ao recurso, no seu acórdão fls 446-476, no
qual revogou a decisão proferida pelo tribunal a quo e, concomitantemente,
anulou a deliberação do CA da Anacom de 20-10-2011. No fundo concordou com a
caducidade da adjudicação à empresa B…….S.A, mas ao mesmo tempo diz alto aí:
não é pelo facto de caducar o direito da empresa B é que faz da empresa A,
diretamente, o adjudicatário. Com efeito julgou prejudicado o conhecimento do
primeiro pedido subsidiário e julgou improcedente o segundo e terceiro pedido
subsidiário.
A autora (daqui em diante
recorrente) continua incansável, manifestou o seu inconformismo através da
interposição do recurso de Revista junto ao Supremo Tribunal Administrativo, a
luz do artigo 150 do CPTA, sobre a parte do acórdão do TCAS que lhe foi
desfavorável. Ou seja, só depois de passarmos por estes 3 processos
(reclamação, ação judicial e recurso da decisão) é que, finalmente, chegamos ao
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-01-2013 – onde se insere o tema
que deu azo ao presente trabalho.
A Recorrente apresentou as suas
alegações em sede de recurso e, como não podia deixar de ser, o recorrido, por
seu turno, também contra-alegou e o STA proferiu o acórdão – assunto que
contamos retomar infra (no ponto III), justamente porque consideramos ser
imprescindível dar, de imediato, a conhecer o real conteúdo da norma em
questão, o seu encaixe nas tipologias procedimentais e fundamentalmente as suas
vantagens.
a) - Tipos de Procedimentos Compatíveis com as
Normas ISO
Na verdade parece óbvio não fazer
sentido algum, integrar no ordenamento jurídico português exigências externas
sem adequá-las ao regime jurídico português. Ora isto não significa que
advogamos a subestimação das normas de condutas que primam pela melhor
qualidade dos serviços. Apenas queremos alertar para a necessidade de direcionamento das tendências globais aos tipos certos de procedimentos em que
haja, verdadeiramente, o cabimento. Até porque, segundo as orientações da
Professora Maria João Estorninho, in curso dos direitos dos contratos públicos
– por uma contratação pública sustentável, pág. 66, o princípio tradicional
segundo o qual o contrato público obedece ao direito interno do Estado a que
pertence a entidade pública que o celebra já não é estanque em tempos
hodiernos, uma vez que os próprios contratos geram necessariamente fenômenos de
internacionalização, ou seja é a própria globalização jurídica que está em
causa.
No entanto, é sabido que a fixação
de requisitos positivos de participação não se coaduna com a modalidade do
Concurso Público, p.ex. (ou pelo menos não são de admitir como elementos de habilitação,
porquanto não existe no concurso público uma fase de qualificação).
Nesse mesmo
sentido veja-se a opinião conjunta dos advogados Marco Real Martins e Miguel
Assis Raimundo, constante num artigo com o seguinte tema: Documentos de
habilitação e documentos de qualificação nos procedimentos de formação de
contratos públicos, publicado em www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/MartinsRaimundo.pdf, onde alertaram sobre a maior
controvérsia na dogmática da contratação pública atual, que se prende com a
distinção entre documento de habilitação (artigo 81 do CCP) e documentos
destinados a qualificação (previsto no artigo 168 do CCP). Nesse artigo, os
autores, elucidaram que o legislador na tentativa de estabelecer uma distinção
nítida entre concurso limitado por prévia qualificação e o concurso público
optou por reservar a fase de qualificação, por excelência, ao concurso limitado
por prévia qualificação, constituindo
para os outros tipos de procedimento uma opção - mutatis mutandi (o itálico
é nosso).
Por isso é
que a lei concede uma discricionariedade à entidade adjudicante, dando-lhe uma
considerável possibilidade de optar ou pela realização do Concurso Público
(abdicando de certas exigências subjectivas e apreciações de qualificações das
empreses concorrentes) ou pelo Concurso Limitado – onde é unanimemente
consentido a introdução das exigências de qualidades positivas, nomeadamente os
documentos de certificação das normas ISO.
Para adoção de procedimento do
concurso limitado por prévia qualificação, a lei exige uma fundamentação a fim
de justificar a preferência pelo tipo do procedimento (na qual é sempre exigida
razões ponderosas com vista a realização do interesse público), aliás é uma
decorrência do dever de fundamentação previsto no artigo 38 do CCP. Ainda
parece ser exigível o preenchimento de alguns princípios balizadores da contra
pública em Portugal. Aliás é o que resulta da doutrina atual e atenta do
Professor Miguel Assis Raimundo, na qual teve cuidado de explicar
detalhadamente, passamos a citar, que a escolha dos procedimentos de caráter
restritivos do universo concorrencial está, teoricamente sujeitas a um controlo
de proporcionalidade na seleção dos
agentes econômicos dos quais se admitirá as propostas. Ou seja a
proporcionalidade do que aqui se fala, nada tem a ver com a escolha do
procedimento em si (em que só é exigida o
cumprimento do preceituado no artigo 38 CCP e pouco mais – o itálico é nosso),
mas sim com os requisitos de capacidade técnica e financeira à estabelecer.
Ainda convém notar que não obstante a existência de tal possibilidade de
cumprimentos de mínimos de qualidade, é ilegítimo que as tais exigências
abranjam toda atividade do concorrente. Isto é, apenas pode abranger uma parte
da sua atividade que interessa para a materialização do contrato.
Enceramos a compatibilização duma
forma negativa, ou seja a regra de exclusão de partes entra aqui para
significar que o concurso público - acima referenciado e o ajuste direto – não
referenciado infelizmente supra, não são compatíveis com as tais exigências
(pelo menos nas suas fases de habilitação). Ora, o resto dos procedimentos não
referenciados supra (o concurso limitado por prévia qualificação, o
procedimento de negociação e diálogo concorrencial), são compagináveis - até
certo ponto - com as exigências de comprovação de qualidades ou capacidades
técnicas aos concorrentes. Isto porque neles existe, em separado, uma fase
intermédia de qualificação de candidatos (Cfr. in, Estorninho, Maria João, Curso de direito dos contratos
públicos, Lisboa, Almedina, 2012, pág. 374).
b)- Noção, Vantagens ou Benefícios das Normas
Internacionais ISO
É quase impossível autonomizar o
conceito das normas ISO, o mais adequado é considera-lo como um todo, claro
está respeitando as diversas áreas para as quais elas se destinam. Ainda assim,
não deixa de ser curioso o facto de, além de serem diversificadas, também são
vocacionadas para produzir efeitos diferentes, isto é:
Na esfera do Consumidor/pessoas
singular – elas visam garantir que os produtos e serviços sejam seguros,
confiáveis e de alta qualidade.
Já na esfera das Empresas/pessoas
coletivas – as normas internacionais ISO funcionam como ferramentas
estratégicas que reduzem os custos, que minimizem os desperdícios, que eliminam
os erros e que, concomitantemente, aumentam a produtividade. Ainda é preciso
frisar, neste particular, que além de auxiliar as empresas a aceder aos novos
mercados, a cilindrar os terrenos de jogos com vista atingir países em
desenvolvimento, ainda vai mais longe ao roçarem as finalidades para as quais
foram criadas. Nos dias que correm é perfeitamente percetível que as normas ISO
facilitam e aprimoram a verificação da liberdade e da justiça no comércio
mundial.
Em concreto, a própria
jurisprudência em análise, trouxe a luz do dia uma noção das regras ISO, pois considerou-as
como Standards ou regras internacionais que visam certificar que as empresas
possuem determinadas práticas, procedimentos, instrumentos ou têm implementado
certos sistemas e formas de organização interna, que lhes conferem determinadas
competências. Em boa verdade são certificações que visam garantir determinados
padrões de qualidade das empresas.
III. FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS
Segue-se, tal como assinalamos
supra, a análise propriamente dita do acórdão de STA, sem fazer, claro está,
referências aos argumentos utilizados pelas partes, mas sim dedicar especial
atenção a decisão.
Ora duma leitura honesta de todo
este tracejado, parece resultar, inequivocamente, que a recorrente (A……..S.A)
colocou as suas pretensões acima da ratio das exigências de certificações ISO,
além de não saber situar o problema, se não vejamos:
1- Fez interpretações abusivas dos
preceitos do CCP, ao desvirtuar por completo os conceitos e ao não as colocar
nos tipos certos de procedimento e muito menos nas fases certas.
2- É preciso perceber a ratio das
exigências de certificações ISO. Aqui torna imperativo furtar as palavras do
Professor Miguel Assis Raimundo para explicar que o uso das tais restrições
através da fixação normativa das valências de participação encontra a sua
fundamentação na necessidade de manter um equilíbrio entre o valor do contrato,
os custos do procedimento e a especificidade do objeto do contrato.
Com efeito,
a opção pelo procedimento onde é exigido um nível mínimo de capacidade técnica
ou financeira, ou melhor dizendo, onde o princípio da igualdade é limitado pelo
princípio do interesse público, prende-se com a preferência em promover os
agentes económicos/concorrentes particularmente capazes, experientes ou
sólidos. Alias tem sido a flexibilização firmada na jurisprudência nos acórdãos
do Tribunal Constitucional nº 645/98 (LUÍS NUNES DE ALMEIDA), proc. 727/96 e no
Ac. do TC nº16/99, proc. 817/96 relatado pela Professora Maria Fernanda Palma.
Sempre que a entidade adjudicante
pretenda avaliar a capacidade técnica ou financeira dos concorrentes (sem
prejuízo da capacidade eventualmente revelada em sede de habilitação) o
procedimento adequado é o concurso limitado por prévia qualificação.
A fase de qualificação dos
concorrentes (ou candidatos) serve para fazer uma primeira triagem que concede
a garantia adicional da utilidade do procedimento. Só que alguns princípios
basilares da contratação pública marcam a presença sempre, para afastar os
exageros das exigências.
Sobre o princípio da proporcionalidade, veja-se as
questões discutidas no acórdão do TCAN de 25 de Março de 2010 (MEDEIROS DE
CARVALHO), proc. 1257/09.7BEPRT, no qual alem dos requisitos de capacidade
financeira, também foi considerado desproporcionado um requisito de capacidade
técnica que exigia que a empresa de segurança a contratar ao menos 1.000
seguranças inscritos, sendo que o contrato só exigia 42. Também a mesma
conclusão se chegou num outro acórdão do Tribunal Central Administrativo do
Norte, de 22 de Abril de 2010, proc. 1327/09.1BEPRT, relatado por conselheiro
RODRIGUES RIBEIRO, onde se julgou desproporcional exigir 600 seguranças
inscritos quando na verdade, no contrato, só era necessário 8.
No que tange ao princípio da
concorrência, veja-se o recente acórdão do TCAN, de 31 de Maio de 2013, Proc.
01370/BEBRG, no qual podemos destacar duas nuances: por um lado, o princípio da
concorrência, impõe que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a
sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar
disciplinado e, por outro lado, que cada candidatura apresentada seja avaliada
de per si, ou seja, de acordo com os seus méritos e deméritos intrínsecos, sem
que possam ou que sejam valoradas quaisquer situações, qualidades,
características ou outros elementos de facto relativos aos candidatos ou que
exijam pronúncias ou emissões de declarações de vontade de entes terceiros que
aqueles candidatos não controlem ou não possam controlar e que condicionam a
possibilidade de candidatura ou interfiram com os critérios de avaliação das
propostas. Está-se a chamar atenção para, no âmbito do concurso público, as
entidades adjudicantes se concentrarem apenas na avaliação das propostas em si
e não nas qualidades específicas das empresas concorrentes.
Existe uma dúvida enraizada no
acórdão, trata-se de uma das interpretações abusivas que a recorrente fez e que
coloca dúvidas ao leitor, tem que ver com a interpretação que deu ao artigo 81
/ 6 no sentido de ser «uma via verde» para exigência de certificações ISO,
quando na verdade não é. Ou seja, só se consegue acabar com a tal dúvida
apoiando na doutrina da Margarida Olazabal Cabral que afirma ser «absolutamente
claro que o artigo 132, por remissão do artigo 81, nº 6, ao permitir que o
programa do concurso exija documentos de habilitação, não está a autorizar a
que no concurso público se exijam requisitos de capacidade técnica».
Esta doutrina foi acolhida por Marco
Real Martins e Miguel Assis Raimundo, que consideraram que seria, realmente,
muito estranho que o legislador se preocupasse em retirar da tramitação do
concurso público a possibilidade de diferenciar capacidade técnica e
financeira, e depois viesse, de forma enviesada, acabar por consagrar resultado
semelhante, com a agravante de que aqui seria uma qualificação pós adjudicação.
Finalmente repescamos uma posição,
(Cfr. em documentos de habilitação e documentos de qualificação nos
procedimentos de formação de contratos públicos, Marco Real Martins/Miguel
Assis Raimundo, págs. 20 e 21.), que definitivamente esclareceu todas as
dúvidas, ou seja: os comprovativos da certificação, em regra, não deveria ser
solicitado pelas entidades adjudicante em sede de habilitação do
adjudicatário, porquanto esse documento não será, em princípio, legalmente
exigido para titular as habilitações necessárias à prestação dos serviços em
causa. Por sua vez, quanto a questão de saber se estes mesmos documentos podem
ser exigidos a título de documentos destinados à qualificação (que não o
caso do acórdão), atentas as manifestações do princípio da proporcionalidade
constantes do nº 1 e 3 do artigo 165 º do CCP, aqui sim a resposta é, em
princípio, afirmativa; Veja-se nesse sentido o próprio artigo 165,n 1, in fine,
quando refere os “sistemas de controlo de qualidade”, e alínea d), que se
refere à “capacidade dos candidatos adotarem medidas de gestão ambiental no
âmbito da execução do contrato a celebrar”.
Conclui-se que neste último caso a
entidade adjudicante disporá de uma discricionariedade considerável na seleção
dos documentos que lhe permitam aferir o nível mínimo de capacidade técnica de
candidatos, sempre em observância da exigência de conexão interna entre os
elementos exigidos, os requisitos de capacidade técnica e financeira e o
objecto do contrato.
Ao cabo e ao resto, a exigência de
certificação por quaisquer normas que qualidade, em sede de habilitação só é
consentida, em caso esteja diretamente relacionado com o objeto do contrato a
celebrar.
IV. Posição Adotada
Após uma longa «lengalenga» o Supremo
Tribunal Administrativo, avaliou e decidiu julgar improcedente os pedidos da
recorrente (A…S.A) e consequentemente julgou:
I- que a apresentação dos
certificados ISO/IEC20000:2005, ISO/IEC27001:2005, IS09001:2008 e ISO
14001:2004, constitui uma exigência que não se relaciona com os requisitos
legalmente exigidos para o exercício da actividade, mas que se relaciona com
competências ou padrões de qualidade, ou seja, com a qualidade ou capacidade
técnica das empresas;
II- Não pode ser exigida num procedimento de concurso
público em sede de habilitação a apresentação dos indicados certificados;
III- Viola os princípios da estabilidade das regras
concursais, da igualdade e da concorrência, a decisão de afastar a regra
constante do Programa de Concurso que exigia a apresentação dos certificados
ISO, em sede de requisitos de habilitação, já após o ato de adjudicação, com
aproveitamento de todos os atos do concurso até essa fase.
A
curiosidade é claramente saber o que se diga desta decisão?
Na verdade, não podia deixar de reconhecer a
intensidade das discussões que foram travadas no presente acórdão. O acórdão é
de per si rico, na medida em que envolve um número considerado da doutrina e
tem uma vasta lista de consulta da jurisprudência - o que torna relativamente
simples a tarefa do julgador, pois as partes acabaram por destruir argumentos dumas
as outras.
Ainda assim devo dizer que o STA
andou bem, não só por ter colocado do lado certo mas, fundamentalmente, por ter
valorizado todos os argumentos e ponderando todos os interesses em jogo. Repare
que o Tribunal decidiu não validar a adjudicação para não frustrar as
expetativas daqueles concorrentes que olharam para o programa do concurso e
decidiram não participar por não estarem habilitados das certificações ISO,
seria caricata uma decisão que não protegesse os interesses dos concorrentes
que estiveram naquela situação. Na realidade, no concurso público, não há lugar
a avaliação a capacidade técnica ou financeira dos concorrentes, para além do
que formalmente possa resultar dos próprios documentos de habilitação legal, na
medida em que a habilitação, de per si, é reveladora de uma determinada
capacidade técnica (e em alguns casos, também financeira) do adjudicatário.
Para avaliação da capacidade técnica
não podem ser exigidas provas específicas, no âmbito do concurso público. Duma
leitura atenta e conjugada dos regimes prevalecentes dos artigos 51 ° e 81 °/ 6
CCP, resulta que está vedada à entidade adjudicante, a possibilidade de incluir
no programa do procedimento do tipo concurso público, a exigência de qualquer
documento de habilitação reportado à capacidade técnica ou econômica financeira
dos concorrentes. Acresce a isso, o facto de os documentos exigíveis serem
apenas os que forem demostrativos da detenção dos requisitos legais necessários
ao exercício da atividade relevante. Ora em lado nenhum resulta uma obrigação
legal de as empresas estarem na posse dos certificados acima referidos para
poderem operar no mercado português, concisamente para fornecer os serviços
postos a concurso.
Não se deve confundir o concurso
público com o concurso limitado por prévia qualificação, muito menos se deve
confundir os documentos de habilitação com os documentos de qualificação. Isto
porque, em jeito de conclusão, julgamos que as certificações do que tanto se
falou, só podem ser apreciados e exigidos em sede dum procedimento que possua
uma fase prévia de qualificação. Ganhamos esta ousadia porque encontramos
alicerces, no mesmo sentido, em todas as obras - algumas recentes - que tivemos
o cuidado de elencar ao longo e nas bibliografias deste trabalho.
DONE
BY: Ricardo
Vicente
Lima
da Costa
e Silva.
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