segunda-feira, 1 de julho de 2013

A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL PORTUGUÊS


    
TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO

A Criação do Tribunal Constitucional Português Para Quê? E Com Que Legitimidade?
                                                                   
                                          Pelo Dr. Ricardo Costa e Silva


SUMÁRIO:
I. Introdução. II. A Pertinência da Criação do Tribunal Constitucional. A. Motivos que Nortearam a sua Criação. B. A sua Gênese. C. O Engenho Jurídico por Detrás do TC e o seu Aprimoramento Face à Extinta Comissão Constitucional. D. A Vontade Política. E. As suas Fases. III. A Legitimidade do Tribunal Constitucional. 1. Conhecimento Detalhado do Tribunal Constitucional. 1.1- Vertente Organizacional. 1.2- Vertente Funcional. 1.3- Vertente das Competências. 1.4- Os Tipos de Processos. 1.5- A Perspetiva Comparatista: O Caso Brasileiro. IV. Os Traços Característicos. V. Conclusão.



ABREVIATURA

CRP-------------------------------Constituição da República Portuguesa.
LTC-----------------------------------------Lei de Tribunal Constitucional.
CC-----------------------------------------------Comissão Constitucional.
TC-------------------------------------------------Tribunal Constitucional.
CR------------------------------------------------Conselho da Revolução.
STF---------------------------------------------Supremo Tribunal Federal.
CF----------------------------------------------------Constituição Federal.
P.EX-----------------------------------------------------------Por exemplo.
CPC----------------------------------------------Código do Processo Civil.




I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho destina-se, fundamentalmente, a servir de base à avaliação no âmbito da disciplina de Justiça Constitucional, referente ao curso de Mestrado Profissionalizante – 2.° Ciclo de Bolonha, Lecionada pelo Senhor Professor Jorge Miranda e, coadjuvado, pelo Senhor Professor Emílio Kafft Kosta.
Este ensaio incide sobre as preocupações que estão na base da criação do Tribunal Constitucional e a sua Legitimidade para lidar com as tarefas que é-lhe atribuído que, segundo o que a história nos revela, constituem sim uma preocupação do passado século apesar de, ainda, persistir nas nossas décadas. Ou seja a ideia não é, de todo, novíssima.
Remontam as criações pretéritas das estruturas similares, não em exatas proporções nem nas mesmas dimensões, porque na verdade há uma diferença de estatuto e de competências destas em relação ao Tribunal Constitucional tal como hoje o conhecemos. Mas o óbvio é que a ideia de potenciar um órgão a cuidar das questões de cumprimento escrupuloso da Constituição e a sua colocação num patamar mais alto que os outros da mesma natureza, sempre esteve presente bastando, para isso, recuar no tempo e espreitar as décadas finais da vigência das três constituições monárquicas (no período de 1822 a 1911) onde se verificava a abertura a certa intervenção dos tribunais.
O reinado é aqui chamado não para simbolizar propriamente a arquitetura do tribunal constitucional como hoje conhecemos (uma vez que é após de 1911), mas sim para assinalar o despoletar da entrada em cena dos tribunais.
Inicialmente, será feita um breve levantamento das vantagens que o TC oferece na qual, será estabelecida uma comparação paralelística com a extinta Comissão Constitucional, onde deixaremos algumas indicações firmadas pela doutrina. Neste excurso deixaremos, também, vertida um importante esforço teórico dos atores políticos na criação da estrutura do Tribunal Constitucional.
Posteriormente, e após duma breve resenha da legitimidade do Tribunal Constitucional, iremos cingir aos Aspectos Gerais, mormente as suas Várias Vertentes.
Finalmente, e em jeito de conclusão, observaremos a abertura ao Direito Comunitário consagrado na Constituição da República Portuguesa, introduziremos poucas linhas sobre o caso brasileiro e elencaremos os traços característicos do Tribunal Constitucional.

II. A pertinência da criação do Tribunal Constitucional

A. Motivos que Nortearam a Sua Criação

Numa perspetiva superficial parece ser unânime, dentre todas as posições consultadas, que as motivações que impulsionaram a criação do Tribunal Constitucional prendem-se com a preocupação de descongestionamento dos outros tribunais com as questões da constitucionalidade das normas, máxime concentração, num único tribunal, de poderes específicos que o legitima à apreciar a conformidade das normas com a lei fundamental.
Importa acima de tudo enaltecer a «exclusividade em alguns casos» de funções, a independência e autonomia a ele predestinado a nível interno.
De facto, segundo ensinamentos do Professor Jorge Miranda, visava essencialmente submeter a uma instância especializada as questões mais relevantes de inconstitucionalidade, acresce a isso a abertura de caminho para a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das correspondentes normas de Direito Ordinário.
O importantíssimo no tal desenho é, sem dúvidas, legitimar o Tribunal Constitucional a ter a última palavra dentro e fora dos processos, na medida em que nele esgota-se a possibilidade de recurso - (ainda que só ao nível interno, uma vez que da globalização nasceu o TEDH que pode servir duma outra instância do recurso, em certas matérias e âmbitos, dentro do circuito Europeu).
Na verdade pretendeu-se desmatar o caminho para a instituição do importante modelo de fiscalização concentrada, justamente porque fez-se prevalecer a Constituição contra os atos do poder em três domínios caraterísticos, ou em dois - no caso específico de Portugal, globalmente ou em separado, a saber: no dos direitos individuais, no da separação dos poderes (entre o poder legislativo e o poder executivo) e no da definição das fronteiras entre os poderes federais e os poderes dos Estados federados - nos casos das federações.

B. A sua Génese

Conforme o cuidado que tivemos de explicar, na introdução do presente trabalho, houve várias tentativas de criação da estrutura com função específica de garantia da constituição, mas queremos fugir as técnicas estatísticas ou descritivas, por isso merece destaque apenas a estrutura que verdadeiramente gerou ou alicerçou o nascimento do Tribunal Constitucional.
Após a revolução de 1974 no interior de Conselho da Revolução existia uma Comissão Constitucional que funcionava como Tribunal de Recurso, pelo que a fiscalização nessa época consistia em parecer da Comissão Constitucional e em Resolução do Conselho da Revolução. A Comissão contribuiu, grandemente, para o desenvolvimento constitucional e para a salvaguarda das instituições democráticas em períodos ainda marcado por contraste pós-revolucionários.
A Comissão Constitucional inspirou e representou a fórmula embrionária da construção do Tribunal Constitucional, foi o primeiro órgão específico de garantia da constituição, o primeiro órgão instituído apenas para isso, em todo o constitucionalismo português e a sua composição avizinhava-se a composição corrente em Tribunais Constitucionais, aliás, foi isto a perceção e indicação dado pelo Insigne Professor Doutor Jorge Miranda.
Ao nível da composição a Comissão Constitucional continua a servir de modelo inspirador do Tribunal Constitucional pois, dos seus nove membros, quatro eram Juízes, designados da seguinte forma: um - pelo Supremo Tribunal de Justiça e três - pelo Conselho Superior da Magistratura; e cinco, não juízes, designados desta forma: um - pelo Presidente da República, três - pelo Conselho da Revolução e um - pela Assembleia da República.
Por todas estas similitudes que estão longe de ser meras coincidências, não hesitamos em afirmar que o Tribunal Constitucional foi concebido através do decalque feito a partir da Comissão Constitucional.

C. O Engenho Jurídico por Detrás do TC e o seu Aprimoramento Face à Extinta Comissão Constitucional

Telegraficamente e sem delongas importa referir, nesta esfera jurídica, que Marcelo Caetano, no seu ensino, pronunciou-se sempre a favor da concentração de competência e preconizou que, na metrópole, o incidente de inconstitucionalidade subisse ao Tribunal de Conflitos.
Em 1972, no livro de José de Magalhães Godinho, foi preconizada a criação de um Tribunal de Garantias Constitucionais. Nesse mesmo ano o I Congresso Nacional dos Advogados pronunciou-se por um Tribunal Constitucional.
Em 1975 Portugal contou com papeis percursoras desempenhadas pelos professores Jorge Miranda e Francisco Lucas Pires sobre a arquitetura do Tribunal Constitucional. Se o Professor Francisco Lucas Pires não concretizou quanto a composição do tribunal constitucional que advogava, já o Professor Jorge Miranda avançaria a proposta de 9 Juízes, dos quais três nomeados pelo Presidente da República, três pelo Presidente do Parlamento ouvida a Comissão de Justiça e três eleito pelo Supremo Tribunal de Justiça durante um mandato de 9 anos sem recondução e com rotação anual. 5 Juízes deveriam ser escolhidos de entre Juízes de Supremo Tribunal de Justiça, das Relações e das Auditorias Administrativas e os restantes poderiam ser escolhidos de entre Antigos Ministros da Justiça, membros da Comissão Parlamentar de Justiça, Professores Universitários de Direito Público e Advogados com mais de 25 anos de exercício da profissão.
Ainda o professor Jorge Miranda voltou a carga já em 1980 com mais um projeto de Revisão Constitucional onde alterou por completo a sua posição de 1975, dizendo que o tribunal constitucional deveria ter 16 Juízes: 3 designado pelo Presidente da República, 3 pela Assembleia da Republica, 2 pelo Conselho da República, 2 ou 1 pelo Supremo Tribunal de Justiça e 1 pelo Supremo Tribunal Administrativo existindo este, 6 pelo Conselho Superior Judiciário de harmonia com o princípio de representação proporcional.
Os Juízes designados pelo Presidente da República, pela Assembleia da República e pelo Conselho da República seriam escolhidos de entre Juristas de comprovado mérito, os indicados pelo Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo de entre os seus membros e os restantes 4 de entre Juízes dos Tribunais da 1ª Instância e 2 de entre juízes dos tribunais de 2ª Instância. O mandato seria de 8 anos sem recondução no período imediato, com renovação quadrienal de metade dos Juízes.
Tendo detalhado nos trabalhos de base, fica por esclarecer com lhaneza que o Tribunal Constitucional é sim derivado da Comissão Constitucional - têm aparências acima de tudo, mas não se trata do mesmo fenómeno - na medida em que a segunda desempenhava funções auxiliares de outro órgão – nesse caso o Conselho da Revolução.
Ainda enquanto Tribunal com concentração de competência em matéria de inconstitucionalidade, não estava investido de um poder exclusivo nem de um poder genérico de decidir sobre a inconstitucionalidade de normas jurídicas, justamente porque coexistia a par dos Tribunais e só conhecia da inconstitucionalidade de certas normas.
Veio ao de cima a sua circunscrita intervenção houve vozes que se levantavam para dizer que a Comissão não teria por razão de ser tanto defender a Constituição quanto defender o Poder Legislativo contra o «Governo dos Juízes». Uma vez delimitada pela negativa as competências que dispunha a Comissão Constitucional, utilizamos os mesmos argumentos em oposição, mas invertemos o método, desta feita usamos o positivo para afirmar que o TC distanciou-se da CC porque tem todas as competências que o segundo não tinha, com real enfoque para a total independência e autonomia que o primeiro arvora e a máxima abrangência, do ponto de vista vinculativo, das suas decisões.

D. A Vontade Política

Numa altura da elevada mescla e constante confluência entre o jurídico e o político, aliás tem sido assim na democracia de então, era quase impossível não ter a contribuição dos atores políticos no tracejado das linhas mestras do Tribunal Constitucional e nessa esteira torna imperativo elencar algumas contribuições dos Partidos Políticos que nos parecem ser relevantes.
Após 1911 os esforços para a criação do que hoje apelidamos de Tribunal Constitucional estava muito em voga, registaram-se várias fórmulas e vontades em torno da ideia nas quais destacamos as seguintes:
O Deputado Fernando Boto-Machado, por entender que era nulo qualquer decreto ou portaria que violasse o Código Fundamental da República (artigo 53), preconizava a criação duma Câmara dos Censores, com 7 Juízes de designação provenientes de vários órgãos (art. 19). Todo cidadão ou autoridade podia requerer a Arbitragem dos Censores se julgasse violado um seu Direito Constitucionalmente previsto. Mas as decisões não tinham caráter geral. Não invalidariam o ato senão em relação a pessoa ou às pessoas que tivessem reclamados.
A revisão constitucional de 1971 aditou § 1ª. Ao art. 123, estipulando que a lei poderia «concentrar em algum ou alguns tribunais a competência para a apreciação da inconstitucionalidade e conferir às decisões desse ou desses tribunais a força obrigatória e geral…»
O projecto de constituição do CDS propunha 1 presidente e 9 juízes, aquele e 3 dos Juízes nomeados pelo Presidente da República, 3 pelo Presidente da Assembleia Legislativa e 3 pelo Supremo Tribunal de Justiça;2 de cada terço deveriam ser escolhidos de entre Juízes do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações e o Presidente e os restantes de entre Doutores em Direito ou Licenciados em Direito com mais de 15 anos de exercício profissional. O mandato duraria 6 anos, admitindo-se uma recomendação; bienalmente se renovaria 1/3 dos Juízes.
Dos Projetos Partidários de Revisão Constitucional apresentados em 1981, um – o do MDP/CDE – propunha um Conselho Constitucional, órgão «sui generis» - (porque é um órgão da soberania fora das categorias dos tribunais, embora dotado de competências jurisdicionais), integrando 11 membros: 4 deles cidadãos de reconhecido prestígio democrático designado pelo Presidente da República; 4 eleitos pela Assembleia da República, em lista completa nominativa, representando os quatro maiores partidos parlamentares; 2 magistrados judiciais designados pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, 1 Juiz dos tribunais superiores e 1 Juiz da 1ª instância, 1 designado pelo Conselho Superior do Ministério Público. Os mandatos eram iguais aos do Presidente da República e às legislaturas nuns casos, e de 4 anos nos demais casos.
Para o projeto de FRS o Tribunal Constitucional teria 15 juízes, designados do seguinte modo: 5 pelo Presidente da República, 5 pela Assembleia da República, 5 pelo Conselho Superior de Magistratura, por maioria qualificada de 2/3 dos membros em efetividades de funções, todos por seis anos, os 10 primeiros de entre cidadãos de reconhecido mérito, não necessariamente juristas, e os restantes 5 – 2 de entre Juízes dos tribunais superiores e 3 de entre os Juízes da 1ª instância.
Finalmente no projeto de AD o Tribunal Constitucional tinha 9 Juízes escolhidos de entre juristas de reconhecido mérito sendo o Presidente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 2 nomeado pelo Presidente da Republica, 2 eleitos pela Assembleia da República por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, 2 pelos Magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, de entre os seus membros e 2 pelos Magistrados do Supremo Tribunal Administrativo também de entre os seus pares. Todos com mandato hexenal e havendo renovação de metade dos juízes em cada triénio.
Por exclusões de partes, ou melhor dizendo – reservamos para o fim - O Projecto de Revisão do PCP onde se visava, diferentemente dos restantes, a manutenção da existência do Conselho da Revolução – o que segundo o nosso entendimento pretendia fazer sobreviver os resquícios da confluência do órgão político na vida jurídica e isto acabava por assassinar a independência e autonomia do órgão. A fora disso, a criação de um Tribunal Constitucional como observou e bem o António Araújo no seu trabalho intitulado «O Nascimento do Tribunal Constitucional» era quase pacífica e consensual.
Uma vez conseguida a maioria para a consagração constitucional da existência do Tribunal Constitucional, a questão passou a ter nova face, isto é, nasceu a preocupação da criação da lei que vai balizar as suas atuações, que vai atribuir-lhe as competências e que vai delimitar as matérias nas quais ele pode intervir, não obstante o figurino preestabelecido na constituição. A aprovação da lei do tribunal constitucional resultou dum processo legislativo breve e simples.
O governo decidiu cometer a um grupo de trabalho constituído ad hoc por dois especialistas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra o encargo de preparar um projecto de proposta de lei.
Ora a proposta foi enviada ao parlamento que entretanto criou uma comissão específica, a chamada Comissão Eventual para o Tribunal Constitucional que assumiu um papel preponderante na exata medida em que resolveu todas as questões pendentes que vão desde a:

-Definição dos procedimentos de designação dos Juízes;
-Competência do Tribunal Constitucional em Matéria de inscrição de partidos políticos e de contencioso eleitoral lato sensu;
-Definição dos procedimentos para a Eleição dos Juízes pelos seus pares; e
-Resolução de todos os problemas logísticos de instalação e entrada em funcionamento.
A Revisão Constitucional de 1982 e, posteriormente, a Aprovação da Lei de Tribunal Constitucional concluem formalmente o processo de institucionalização do Tribunal Constitucional.

E. As suas Fases

Muito rapidamente, e sem grandes construções dogmáticas, abordaremos de forma mais direta possível as fases que esgravatamos em torno do processo da criação de Tribunal Constitucional que, a verdade seja dita, não são muitas, aliás só são duas, a saber:

a)  – Uma fase consideravelmente extensa – que ameaçou irradiar nas décadas 90 do passado milénio e que realmente - começou em 1911 e perdurou até à Revisão Constitucional de 1982.


b)     – Uma fase relativamente curta – que decorreu, numa velocidade da luz, entre a aprovação da Lei Constitucional n° 1/82, de 30 de Setembro e a Entrada em Vigor da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Tribunal Constitucional).

A rapidez de aprovação da LTC derivou, naturalmente, dos limites temporais apertados que o artigo 244° da Lei Constitucional n° 1/82 estabelecia. No n° 1 do artigo 244° determinava-se que «até à data da entrada em vigor da presente lei de revisão, a Assembleia da República aprovará a legislação respeitante à organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional [...]». Por seu turno, o artigo 248° dispunha que «a presente lei de revisão entra em vigor no trigésimo dia posterior ao da sua publicação no Diário da República, sem prejuízo da sua aplicação imediata para efeitos do disposto nos artigos 244° e 245°». O que significa, pois, que o artigo 244° da Lei n° 1/82 era uma norma de aplicação imediata; após a publicação no Diário da República da Lei n° 1/82, a Assembleia dispunha de um mês para aprovar a LTC.

Com a entrada em vigor da lei do Tribunal Constitucional tudo indica que já havia todas as condições criadas para o desenvolvimento das atividades fulcrais deste órgão, porque como é óbvio a constituição não podia prever todos os detalhes da organização, funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, daí a necessidade de criação duma lei específica que regula detalhadamente o funcionamento do órgão em questão. 


III. A Legitimidade do Tribunal Constitucional


Na aceção crítica de alguns nacionais portugueses subestima-se ou mesmo aprecia-se em tons demasiado carregados a atuação do Tribunal Constitucional, que, em termos globais, correspondeu às expetativas reconstituintes de 1982, e não questionou o traçado do sistema de governo acolhido pela Lei Fundamental.

Não há, no domínio versado, soluções universais e intemporais pois todas elas dependem não apenas da visão que genericamente se perfilhe quanto à essência da Jurisdição Constitucional, mas também, e de modo especial, dos princípios da ordem constitucional vigente num determinado Estado em certo momento histórico, com particular incidência no regime político, no sistema de governo e no sistema de fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder político constituído.

Houve um hiato temporal, concisamente nove décadas volvidos, em que se travou a polémica acerca da caracterização política ou jurisdicional dos Tribunais Constitucionais e, em particular, da legitimidade do modelo austríaco de fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder político constituído do estado, máxime das leis entre Autores como Carl Schmitt e Hans Kelsen. A tal querela visava fundamentalmente saber quem seria o órgão mais adequado para proteger a Constituição:

Na aceção Kelsen essa tarefa deveria caber a um órgão que desempenhasse uma Função Jurisdicional, mas não aos Tribunais Ordinários, nem se quer aos de Topo (no seu trabalho la garantie jurisdictionnelle de la constitution – La Justice Constitutionnelle, de 1928, defende que esse órgão deve ser o Tribunal Constitucional).  

Na obra de Carl Schmitt publicada ulteriormente (Das Reichsgericht als huter der Verfassung, de 1922), se inclinava para a atribuição da Justiça Constitucional a um Órgão Político, mais concretamente ao Chefe de Estado. A lógica que presidia ao seu raciocínio era a de que - estando o fundamento político da existência do estado na constituição, a sua proteção deveria ser encarrada como uma actividade eminentemente política - por isso deveria ser atribuído a um Órgão Munido de Plenos Poderes, visto que o caráter jurisdicional da justiça constitucional nunca lhe permitiria resolver atempadamente os problemas políticos mais graves.        

Duma forma pacífica pronunciaram, os Autores como Cappelletti, Favoreu e Stern, no sentido da legitimidade da Justiça Constitucional em geral e dos Tribunais Constitucionais em especial. Questionou-se sobre o imiscuir do TC nos assuntos políticos uma vez que na sua aproximação das realidades sociais assume o papel crucial de defesa dos direitos fundamentais, em tempos, respondeu o Primeiro Presidente do «Bunderverfassungsgericht» alemão que: «na verdade não constitui tarefa do TC decidir sobre lutas políticas, mas apenas assegurar que em face destas lutas sejam respeitadas as normas da lei fundamental».

Afirma o professor Marcelo Rebelo de Sousa que a compreensão adequada da natureza da justiça constitucional e, obviamente, dos seus órgãos implica o profundo conhecimento multidimensional do Direito Constitucional. 

Subscrevemos «tout court» esta afirmação, pois percebemos o alcance da mesma. Reparem que o politico também é legislador, ao contrário dos tribunais que só são aplicadores (salvo quando o TC emite decisões aditivas, que de acordo com a posição de alguns autores que vão no sentido de considerar as tais decisões como tarefa legislativa do tribunal, digo já que o Professor Jorge Miranda não comunga este entendimento, pois para ele as decisões aditivas não passam de uma ferramenta de completude da norma e defensora do princípio da igualdade). Ora se reservamos a legitimidade de controlo ao órgão que legisla estaríamos a empurrar o estado de direito democrático para as trevas e estaríamos a diminuir consideravelmente, máxime, subestimar o importante papel dos tribunais, daí a necessidade de o controlo ser exercido não pelos punhos de quem legisla mas sim daquele que cumpre e manda cumprir as leis. Tecemos esta reflexão com intuito de destruir a tese de Carl Schmitt por considerarmos ser violadora do princípio da separação dos poderes tal como foi concebido por Charles de Montesquieu.

A idéia que vitaliza a Legitimidade do Tribunal Constitucional é a de que o Poder Judiciário é concebido numa perspetiva altruísta, visto que não manda prevalecer a sua vontade mas sim a vontade do constituinte, assacado da vontade do povo, sobre as das maiorias parlamentar.

Na esfera da legitimidade sobressaltam dois hemisférios das atuações do TC, nos quais resultam dois efeitos importantíssimos, um negativo (no sentido duma eventual anulação da Lei Inconstitucional) e outro positivo, nisso pretendemos colocar o acento tônico (tem que ver com a Garantia da Supremacia Constitucional), – aspeto que constitui um postulado básico de Estado Constitucional Democrático.

Na aceção do Professor Jorge Reis Novais a legitimidade é tratado aqui como uma manifestação da proteção dos Direitos Fundamentais, colocado num polo antagónico ao do Poder Democrático, onde o primeiro constitui autêntico trunfos contra a maioria parlamentar.


   
1. Conhecimento Detalhado do Tribunal Constitucional

Tribunal Constitucional é um órgão jurisdicional em Portugal criado na sequência da extinção do Conselho da Revolução pela Revisão Constitucional de 1982. A sua competência nuclear é a fiscalização da conformação das leis e dos decretos-leis com a Constituição. No dizer do artigo 221 da Constituição da República Portuguesa ele é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.
Enquanto tribunal que ele é, compartilha as características próprias de todos os tribunais, nomeadamente administrar a justiça em nome do povo. É um órgão de soberania segundo o postulado no artigo 202º da Constituição. É independente e autónomo, isto é, não está dependente nem funciona junto de qualquer órgão e apenas estão sujeitos à lei; Os seus juízes gozam de garantias de independência, inamovibilidade imparcialidade e irresponsabilidade e estão sujeitos às incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais (Artigo 222º/5 CRP); As suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades (Cfr. Artigo 2 LTC). Mas diferentemente dos demais tribunais, o Tribunal Constitucional tem a sua composição e competência definidas directamente na Constituição; os seus juízes são maioritariamente eleitos pela Assembleia da República; dispõe de autonomia administrativa e financeira e de orçamento próprio, inscrito separadamente entre os "encargos gerais do Estado"; e define, ele próprio, as questões relativas à delimitação da sua competência.
O Tribunal Constitucional é composto por treze juízes, sendo dez eleitos pela Assembleia da República – por maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria dos deputados em efectividade de funções. Os três restantes cooptados pelos juízes eleitos, também por maioria qualificada.
No exercício das suas funções os juízes do Tribunal Constitucional usam beca e colar, podendo também usar capa sobre a beca.
Em matéria de incompatibilidades, está vedado aos juízes do Tribunal Constitucional o exercício de funções em outros órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, bem como o exercício de qualquer outro cargo ou função de natureza pública ou privada, apenas podendo exercer funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, que, em qualquer caso, não podem ser remuneradas (artigo 27º/ 1 e 2 LTC).
Os juízes do Tribunal Constitucional também não podem exercer quaisquer funções em órgãos de partidosassociações políticas ou fundações com elas conexas, não lhes sendo igualmente permitido o desenvolvimento de actividades político-partidárias de carácter público (artigo 28º LTC).
É de resto a sua incumbência apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade nos termos dos artigos 277 º e seguintes da CRP (Cfr no artigo 223º CRP e artigo 6º LTC)

1.1- Vertente Organizacional

Do ponto de vista da sua competência organizacional interna, compete ao Tribunal Constitucional eleger o Presidente e Vice-Presidente, elaborar os regulamentos internos necessários ao seu bom funcionamento, aprovar a proposta de orçamento anual, fixar no início de cada ano o calendário das suas sessões ordinárias e exercer outras competências atribuídas por lei.
O Presidente e Vice-Presidente são eleitos pelos juízes do Tribunal Constitucional, por voto secreto, sem discussão ou debate prévios, em sessão presidida, na falta de um e outro, pelo juiz mais idoso e secretariada pelo mais novo. É eleito Presidente o juiz que obtiver o mínimo de nove votos e Vice-Presidente o que obtiver o mínimo de oito votos.
O Presidente tem funções de várias espécies:
·         Representa o Tribunal e assegura as suas relações com os demais órgãos e autoridades públicas;
·         Recebe as candidaturas e as declarações de desistência dos candidatos a Presidente da República e preside à assembleia de apuramento geral da eleição presidencial e das eleições para o Parlamento Europeu;
·         Preside às sessões do Tribunal.
·         Dar posse ao pessoal do Tribunal e exercer sobre ele o poder disciplinar, com recurso para o próprio Tribunal.
Compete ao Vice-Presidente:
   Substituir o Presidente nas suas faltas e impedimentos.
●    Nas sessões por ele presididas estão vedados a possibilidade de apreciação dos processos nos quais ele afigura como relator.

 1.2- Vertente Funcional

O Tribunal Constitucional funciona em sessões plenárias e por secções, consoante a natureza da matéria sobre que é chamado a pronunciar-se segundo consta do artigo 40/1 LTC.
Compete ao Plenário exercer o controlo da constitucionalidade e legalidade em fiscalização abstrata, e às três secções não especializadas (n.1 do artigo 40 da LTC), o exercício da fiscalização concreta, sem prejuízo da convocação do plenário, nomeadamente em caso da divergência jurisprudencial.
O Tribunal reúne ordinariamente, em regra todas as semanas, de acordo com a periodicidade definida no regimento interno e na calendarização fixada no início de cada ano judicial.
Cada juiz dispõe de um voto e o Presidente (ou o Vice-Presidente, quando o substitui) tem voto de qualidade; assim, em caso de empate na votação, considera-se vencedora a posição que tiver obtido o seu voto. Os juízes vencidos podem fazer declaração de voto (artigo 42 º LTC).
Ministério Público é representado no Tribunal Constitucional pelo Procurador-Geral da República, que pode delegar o exercício das suas funções no Vice-Procurador-Geral ou em Procuradores-Gerais-Adjuntos.
O local de funcionamento do Tribunal Constitucional é o Palácio Ratton na Rua do Século em Lisboa.

 1.3- Vertente das Competências

Ao Tribunal cabe-lhe apreciar a inconstitucionalidade de quaisquer normas.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional dispõe de várias competências relativas ao Presidente da República. No exercício destas, cabe-lhe verificar a morte e declarar a impossibilidade física permanente do Presidente da República.
O Tribunal dispõe ainda de competência para julgar os recursos relativos à perda do mandato de deputado à Assembleia da República ou às Assembleias Legislativas das regiões autónomas.
Em matéria de contencioso eleitoral, por sua vez, o Tribunal Constitucional intervém no processo relativo à eleição do Presidente da República, recebendo e admitindo as candidaturas e decidindo os correspondentes recursos.
Quanto aos referendos nacionais, o Tribunal Constitucional intervém fiscalizando previamente a sua constitucionalidade e legalidade.
No que diz respeito aos referendos regionais e locais, o Tribunal Constitucional intervém, igualmente, na fiscalização prévia da sua constitucionalidade.
Ao Tribunal Constitucional compete igualmente aceitar a inscrição de partidos políticos, coligações e frentes de partidos, apreciar a legalidade e singularidade das suas denominações, siglas e símbolos, e proceder às anotações a eles referentes que a lei imponha. Compete-lhe também julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis, apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos partidos e aplicar as correspondentes sanções, ordenar a extinção de partidos e de coligações de partidos, bem como verificar regularmente o número de filiados.
Compete-lhe também, a partir de 1 de Janeiro de 2005, apreciar a regularidade e a legalidade das contas das campanhas eleitorais.
Ao Tribunal Constitucional cabe declarar que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista, e decretar a respectiva extinção.
O Tribunal Constitucional procede ainda ao registo e arquivamento das declarações de património e rendimentos e das declarações de incompatibilidades e impedimentos que são obrigados a apresentar os titulares de cargos políticos ou equiparados, e decide acerca do acesso aos respectivos dados.
Finalmente, e parafrasear o professor Blanco Morais, o Tribunal Constitucional foi erigido pela Constituição a vértice do sistema do controlo da constitucionalidade das normas e da legalidade das leis, constituindo esta realidade o fundamento basilar da integração do modelo português nos sistemas concentrados. Ainda recenseamos, a partir do Autor supra, que o modelo português, a par do brasileiro, é dos poucos sistemas que combina um processo de controlo difuso da constitucionalidade, realizado em sede de fiscalização concreta, com processos de fiscalização abstratos, operando em via principal.

1.4- Os Tipos de Processos

No concernente aos tipos processuais muito pouco se oferece a dizer, na medida em que cada tipo de processo incita a escrever um outro tema para o trabalho. Aqui, contrariamente ao método que vimos utilizando, propendemos sim, e só desta vez, a utilizar o método descritivo e elencar os cinco tipos de processo que o Tribunal Constitucional utiliza:
-Processo de Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade;
-Processos de Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade ou Legalidade;
-Processos que Versam sobre os Recursos;
-Processos que Versam sobre as reclamações; e
-Outros Processos.
Reza o artigo 48º da LTC que na distribuição de processos são utilizadas as normas do Código Processo Civil que regulam a distribuição dos tribunais superiores em tudo o que não se achar especialmente regulado na LTC, quer isso dizer que abriu-se uma janela para aplicação do CPC nas matérias a serem apreciadas no tribunal constitucional da forma subsidiária, se quiser só em última instância – isto é quando não consta da própria Lei do Tribunal Constitucional.
Tem uma coisa que achamos curiosa no processo no tribunal constitucional que tem que ver com o sorteio dos relatores do processo calendarizado, ao longo tempo, isto é - anualmente, pela ordem dos juízes na primeira sessão do ano judicial, mas ao presidente não são sorteado processo para relato.

1. 5- A Perspetiva Comparatista

À parte: A nível da União Europeia dir-se-á ser inequívoco que a Constituição portuguesa perfilha uma visão claramente favorável a cooperação jurídica internacional, distanciando-se duma posição estreitamente nacionalista e apontado para soluções que tornam fácil a vigência na ordem interna dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português, bastando para tal ler as disposições do artigo 8 da CRP onde se depreendem duas normas: a primeira versa sobre o Direito Internacional Convencional em geral e a segunda trata-se do Direito Comunitário e transporta para o Direito Constitucional Português a regra do efeito direto de que beneficiam as normas do direito comunitário derivado.
Estas normas remontam à versão inicial da constituição de 1976, a sua revisão de 1982 e acresce a ela desde 1992 o disposto no nº6 do artigo 7, no qual lê-se que «Portugal pode, em condições de reciprocidade, com respeito da subsidiariedade e tendo em vista a realização do princípio da coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia»

O Caso Brasileiro

No Brasil existe o Supremo Tribunal Federal que funciona como órgão do topo do poder judiciário, tem a função de guardar a constituição segundo artigo 102 da Constituição Federal. É composto por 11 Ministros (atenção a uma especificidade: que só podem ser Brasileiros Natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e menores de 65 anos de idade, de amplo conhecimento jurídico e reputação ilibada, e nomeado pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

Das suas principais atribuições notamos ser curiosas as seguintes: i) decidir a extradição solicitada por Estado estrangeiro ii) arguir o incumprimento duma norma constitucional fundamental iii) declaração da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal iv) julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Julga os recursos ordinários, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instancia pelos tribunais superiores. Em recursos extraordinários julga causas decididas em única ou em ultima instancia quando a disposição recorrida contraria o dispositivo constitucional.
   
Em 2004, por intermédio da emenda constitucional n. 45/2004, foi introduzida a possibilidade do Supremo tribunal Federal aprovar, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do poder judiciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (artigo 103-A da CF/88).

O Supremo Tribunal Federal decide em única e ultima instância a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, tratando do controlo concreto ou incidental.

Deparamos com um facto curioso no sistema brasileiro que merece uma especial analise, refere-se ao facto de no artigo 53, X da CF, vier consagrado a possibilidade do senado federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF, mas afinal a quem cabe a ultima palavra na matéria de constitucionalidade no Brasil ???? Esta dúvida envolveu-nos desde início quando reparamos que a nomeação dos Ministro (Juízes - mutatis mutandis - em Portugal) comporta mais faceta política que jurídica, ora nessa análise residual, torna difícil encontrar resposta a essa questão sem socorrer-se das opiniões dos «experts» brasileiros, pelo que repescamos os seguintes entendimentos:

Antes importa elucidar que tradicionalmente, isto é, viajando na história do sistema de controlo da constitucionalidade brasileiro, percebem os autores que o controlo difuso está presente desde a constituição de 1981, e desde 1934 compete ao senado federal brasileiro, por meio de resolução, suspender a execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do supremo tribunal federal.

Segundo Cattoni, Strck e Barreto no controlo difuso há participação democrática de forma indireta pela missão constitucional atribuída ao senado federal. E se a pretensão é retirar do processo de controlo difuso a participação dos representantes do povo, contrariamente ao expressamente estipulado na constituição de 1988, estaria a desvirtuar a competência constitucional do senado e estaria a atentar gravemente contra direitos e garantias fundamentais. Foram ainda mais longe quando afirmaram que ao atribuir a eficácia erga omnes e efeito ex tunc a decisão proferido em sede de controlo concreto – Qer dizer a de Supremo Tribunal Federal (o negrito é nosso), é fazer desaparecer a diferença entre os dois modelos (difuso e concentrado), tornando-os num único. Não repassaram a ideia de que o senado (representação política da federação) não está vinculado ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao supremo tribunal federal corrigir a constituição, pois se a resposta fosse positiva tratar-se-ia dum poder constituinte constante e ilegítimo.

Numa oposta orientação posicionou o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que de resto demonstrou estar preocupado e inconformado com o entendimento dos outro autores, porque para ele o entendimento de que a eficácia de declaração da inconstitucionalidade proferida pelo STF em casos concretos ter que sujeitar-se a decisão do senado federal perdeu parte do seu significado com a ampliação do controlo abstrato de normas, sofrendo mesmo um processo de obsolescência. Ainda indagou: se o STF pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo da emenda constitucional, porque haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controlo incidental, valer tão-somente entre as partes?     

Toda essa discussão revela-nos a quão complicada é a justiça constitucional no Brasil, houve quem já disse que o modelo difuso de controlo da constitucionalidade no Brasil nunca deu certo «isto porque o Direito Brasileiro tem a sua matriz na tradição romano-germânica…. E common law não se improvisa nem se copia». Nós preferimos dizer que compreendemos fundamentalmente que visa-se manter no topo do sistema jurídico a voz do povo, in casu - o Senado, basicamente é como que pintaram e iludiram o STF com tarefas de guarda da constituição, para depois furtar-lhe a emissão da ultima palavra sobre a constitucionalidade à favor do vogal do povo. Mais não visa esta construção se não confirmar o sentido pleno da democracia, o verdadeiro detentor do poder e a participação plena dos cidadãos até últimas instâncias. 

Parece-nos muito democrata este sistema, mas pouco jurisdicional e geradora da incerteza jurídica sobre a quem cabe a última palavra no controlo jurisdicional. Na realidade desta mescla retira-se, salvo o melhor entendimento, a politização do jurídico.

IV. Os Traços Característicos

Pareceu ser necessário ilustrar em três pontos as caraterísticas específicas da constitucionalidade em Portugal:

- Em Portugal vigora um sistema «misto» de controlo de constitucionalidade, pelo menos é o que podemos captar com base nas incursões que fazemos, para significar que apesar de existir um Tribunal Constitucional, todos os tribunais portugueses dispõem do poder, e têm acima de tudo o dever, não só de apreciar a constitucionalidade das normas jurídicas que lhes cumpre aplicar, como de recusar a aplicação das que considere inconstitucional, conforme resulta do artigo 207 CRP. Não obstante este entrelaçamento, a verdade é que das decisões dos outros tribunais que apreciam questões de inconstitucionalidade cabe o recurso para o Tribunal Constitucional – recurso esse, que em alguns casos, chega mesmo a ser obrigatório (artigo 280º CRP).

-A competência de Tribunal Constitucional para o controlo da constitucionalidade de normas jurídicas não se restringem ao que é exercido pela via do recurso supra mencionado (controlo concreto, com eficácia limitada ao caso), é mais que isso, aliás abrange a competência de controlo abstrato, exercida a requerimento de determinadas entidades públicas e com eficácia obrigatória e geral (Cfr artigos 281 e 282 CRP). Para determinadas categorias de normas, exemplo das convenções internacionais e normas com o valor formal de lei, o uso da tal competência também afeta a modalidade de controlo preventivo artigos 278 e 279.

-A constituição não faz alusão sobre qualquer restrições no tocante ao controlo da constitucionalidade quanto as normas que caem no âmbito desse controlo, pois abrange, em princípio, todas as normas aplicáveis no quadro da ordem jurídica portuguesa, estendendo assim àquelas que integram a ordem jurídica por força da receção que ela faz das normas jurídicas internacional, máxime das convenções internacionais celebrados pelo Estado português, resulta da interpretação do artigo 277/2 da CRP – o qual estabelece justamente uma exceção à competência de controlo normativos dos tribunais, mas limita à apreciação dos vícios de forma. É óbvio que neste contesto e face ao princípio consignado no artigo 207 CRP, afora da exceção acerca do controlo preventivo, as normas internacionais internamente recebidas estão sujeitas ao controlo da constitucionalidade.

V. Conclusão

Terminamos esta incursão com duas perguntas que, ao serem respondidas, daremos por findo o trabalho. I-O Tribunal Constitucional em Portugal nasceu por arrastamento? II-Contribuiu para a paz constitucional em Portugal? 
I
Convém lembrar que, em 1803, inaugurou-se a judicial review da constitucionalidade das leis, estamos a referir o caso Marbury vs. Madison que veio na célebre sentença do Supremo Tribunal dos EUA, passado quase um século criou-se o Tribunal Constitucional Austríaco (em 1920).
Na constituição de 1911 estabeleceu-se em Portugal a fiscalização judicial difusa do modelo americano.
Estes itens convida-nos a reflectir sobre a pergunta que colocamos e consequentemente responde-la dizendo que é mesmo por arrastamento ou seja é mesmo derivado da conjuntura dessa época contudo em cada criação vai-se apercebendo dum tendencial ajuste das ideais ao modelo de fiscalização de cada país mas nem é preciso estar muito atento para aperceber dos traços comuns entre modelos preconizados em vários países. Ora ganhamos esta ousadia em afirmar que o tribunal constitucional português veio por arrastamento porquê constitui uma febre do século passado assacado tanto na ideia de globalização ou, se quiser, comunitarização, como na perspetiva de melhoramento da Justiça Constitucional a partir da criação do Tribunal Constitucional. Registamos a opinião dum eminente jurista francês que alertou que a legitimidade do controlo jurisdicional das leis não é mais posto em causa desde os anos 80.
Inclinamos a concordar plenamente com a afirmação do Autor supra citado, uma vez que mesmo nos países mais renitentes ao fenómeno, p.ex. o caso da França – (em que o Conseil Constitutionnel, rigorosamente falado, nunca foi concebido para funcionar como uma verdadeira jurisdição, porque alem de ter a natureza política, a ideia que lhe nutria é a de reforçar os poderes e controlo do executivo sobre o parlamento. A designação dos seus membro era feita, literalmente, pelas autoridades políticas, se não vejamos:
O Presidente da República designava três; O Presidente da Assembleia Nacional designava três; e o Presidente do Senado designava os restantes três membros – Facto que, só por si, não conferia garantia de isenção do órgão.)
Dos anos 70 pra cá a imagem desta instituição francesa começou a alterar-se, ora pela mudança do seu direito regulador, ora pela evolução da sua jurisprudência, ora pela prosperidade do contexto político e fundamentalmente pela curiosidade que a análise do conseil constitutionnel suscita na perspectiva do direito comparado. Nos tempos hodiernos a França recebe uma qualificação de uma jurisdição constitucional limitada, visto que ainda há o sentido de evitar que os juízes afastam a vontade do legislador, mas ainda assim, quando os seus avanços foram tidos em linha de conta – confere-lhe uma legitimidade que tende a ser pacificamente aceite.  
Captamos ainda que a existência de uma jurisdição constitucional, quando confiado a um tribunal específico, parece estar na moda e quase que constitui, atualmente, um elemento de legitimação e de credibilidade política dos regimes constitucionais democráticos.
Há quem tenha ido mais longe, trata-se do Professor Vital Morreira, ao afirmar que a jurisdição constitucional passou a ser crescentemente considerada como elemento necessário da própria definição do estado de direito democrático.
II
O início da vida do tribunal constitucional foi marcado pelos embates com o Supremo Tribunal de Justiça, ora dito isto assim inculca a pensar que a resposta para a questão propende a ser negativa, mas a verdade é que os embates do que se falou continham uma expressão meramente simbólica e protocolar.
Existia, apesar de tudo, um risco de eclosão de conflitos que não deve ser subestimado. Esta preocupação durou poucos anos, porque a revisão constitucional de 1989 resolveu todos os problemas de coexistência entre os dois órgãos. Pouco a pouco o Tribunal Constitucional começou a impor as suas decisões e felizmente, em termos globais, as suas decisões começaram a conquistar um respeito generalizado por parte dos outros tribunais.
Ao nível de cumprimento do dever e das correspondências das expetativas pode-se dizer que, de uma forma geral, o Tribunal Constitucional superou todas as dificuldades, tem desempenhado a sua tarefa de modo satisfatório – o que faz com que – já ninguém questiona a razão da sua existência, muito menos a posição sui generis que detém no quadro da orgânica judiciária.

Em fim… Dentro dum País – Um Ordenamento, Dentro dum Ordenamento - Um Sistema, Dentro dum Sistema – Um Tribunal, Dentro dum Tribunal – Uma Jurisprudência que além de completa, ampla e coesa, é extremamente convincente, facto que acaba por elevar o nível judiciário e impulsionar a credibilidade da Justiça Constitucional em Portugal.

Hoje pode gabar-se que em Portugal vive-se uma paz constitucional, tudo à mercê da existência do Tribunal Constitucional.      


                                  DONE BY: Ricardo Vicente Lima da Costa e Silva.

Sem comentários:

Enviar um comentário