TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO
A Criação do Tribunal Constitucional Português Para Quê? E Com Que
Legitimidade?
Pelo Dr. Ricardo
Costa e Silva
SUMÁRIO:
I. Introdução. II. A Pertinência
da Criação do Tribunal Constitucional. A.
Motivos que Nortearam a sua Criação. B. A
sua Gênese. C. O Engenho Jurídico
por Detrás do TC e o seu Aprimoramento Face à Extinta Comissão Constitucional. D. A Vontade Política. E. As suas Fases. III. A Legitimidade do Tribunal Constitucional. 1. Conhecimento Detalhado do Tribunal Constitucional.
1.1- Vertente Organizacional. 1.2- Vertente Funcional. 1.3- Vertente das Competências. 1.4- Os Tipos de Processos. 1.5- A Perspetiva Comparatista: O Caso
Brasileiro. IV. Os Traços Característicos. V. Conclusão.
ABREVIATURA
CRP-------------------------------Constituição
da República Portuguesa.
LTC-----------------------------------------Lei
de Tribunal Constitucional.
CC-----------------------------------------------Comissão
Constitucional.
TC-------------------------------------------------Tribunal
Constitucional.
CR------------------------------------------------Conselho
da Revolução.
STF---------------------------------------------Supremo
Tribunal Federal.
CF----------------------------------------------------Constituição
Federal.
P.EX-----------------------------------------------------------Por exemplo.
CPC----------------------------------------------Código
do Processo Civil.
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se, fundamentalmente, a
servir de base à avaliação no âmbito da disciplina de Justiça Constitucional,
referente ao curso de Mestrado Profissionalizante – 2.° Ciclo de Bolonha,
Lecionada pelo Senhor Professor Jorge Miranda e, coadjuvado, pelo Senhor
Professor Emílio Kafft Kosta.
Este ensaio incide sobre as preocupações que estão na
base da criação do Tribunal Constitucional e a sua Legitimidade para lidar com
as tarefas que é-lhe atribuído que, segundo o que a história nos revela, constituem
sim uma preocupação do passado século apesar de, ainda, persistir nas nossas
décadas. Ou seja a ideia não é, de todo, novíssima.
Remontam as criações pretéritas das estruturas
similares, não em exatas proporções nem nas mesmas dimensões, porque na verdade
há uma diferença de estatuto e de competências destas em relação ao Tribunal
Constitucional tal como hoje o conhecemos. Mas o óbvio é que a ideia de
potenciar um órgão a cuidar das questões de cumprimento escrupuloso da Constituição
e a sua colocação num patamar mais alto que os outros da mesma natureza, sempre
esteve presente bastando, para isso, recuar no tempo e espreitar as décadas
finais da vigência das três constituições monárquicas (no período de 1822 a
1911) onde se verificava a abertura a certa intervenção dos tribunais.
O reinado é aqui chamado não para simbolizar
propriamente a arquitetura do tribunal constitucional como hoje conhecemos (uma
vez que é após de 1911), mas sim para assinalar o despoletar da entrada em cena
dos tribunais.
Inicialmente, será feita um breve levantamento das
vantagens que o TC oferece na qual, será estabelecida uma comparação
paralelística com a extinta Comissão Constitucional, onde deixaremos algumas
indicações firmadas pela doutrina. Neste excurso deixaremos, também, vertida um
importante esforço teórico dos atores políticos na criação da estrutura do Tribunal
Constitucional.
Posteriormente, e após duma breve resenha da
legitimidade do Tribunal Constitucional, iremos cingir aos Aspectos Gerais, mormente
as suas Várias Vertentes.
Finalmente, e em jeito de conclusão, observaremos a
abertura ao Direito Comunitário consagrado na Constituição da República Portuguesa,
introduziremos poucas linhas sobre o caso brasileiro e elencaremos os traços
característicos do Tribunal Constitucional.
II. A pertinência da criação do Tribunal Constitucional
A. Motivos que Nortearam a Sua Criação
Numa perspetiva superficial parece ser unânime, dentre
todas as posições consultadas, que as motivações que impulsionaram a criação do
Tribunal Constitucional prendem-se com a preocupação de descongestionamento dos
outros tribunais com as questões da constitucionalidade das normas, máxime
concentração, num único tribunal, de poderes específicos que o legitima à apreciar
a conformidade das normas com a lei fundamental.
Importa acima de tudo enaltecer a «exclusividade em
alguns casos» de funções, a independência e autonomia a ele predestinado a
nível interno.
De facto, segundo ensinamentos do Professor Jorge
Miranda, visava essencialmente submeter a uma instância especializada as
questões mais relevantes de inconstitucionalidade, acresce a isso a abertura de
caminho para a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral
das correspondentes normas de Direito Ordinário.
O importantíssimo no tal desenho é, sem dúvidas,
legitimar o Tribunal Constitucional a ter a última palavra dentro e fora dos
processos, na medida em que nele esgota-se a possibilidade de recurso - (ainda
que só ao nível interno, uma vez que da globalização nasceu o TEDH que pode
servir duma outra instância do recurso, em certas matérias e âmbitos, dentro do
circuito Europeu).
Na verdade pretendeu-se desmatar o caminho para a
instituição do importante modelo de fiscalização concentrada, justamente porque
fez-se prevalecer a Constituição contra os atos do poder em três domínios
caraterísticos, ou em dois - no caso específico de Portugal, globalmente ou em
separado, a saber: no dos direitos individuais, no da separação dos poderes
(entre o poder legislativo e o poder executivo) e no da definição das
fronteiras entre os poderes federais e os poderes dos Estados federados - nos
casos das federações.
B. A sua Génese
Conforme o cuidado que tivemos de explicar, na
introdução do presente trabalho, houve várias tentativas de criação da
estrutura com função específica de garantia da constituição, mas queremos fugir
as técnicas estatísticas ou descritivas, por isso merece destaque apenas a
estrutura que verdadeiramente gerou ou alicerçou o nascimento do Tribunal Constitucional.
Após a revolução de 1974 no interior de Conselho da Revolução
existia uma Comissão Constitucional que funcionava como Tribunal de Recurso,
pelo que a fiscalização nessa época consistia em parecer da Comissão
Constitucional e em Resolução do Conselho da Revolução. A Comissão contribuiu,
grandemente, para o desenvolvimento constitucional e para a salvaguarda das
instituições democráticas em períodos ainda marcado por contraste
pós-revolucionários.
A Comissão Constitucional inspirou e representou a
fórmula embrionária da construção do Tribunal Constitucional, foi o primeiro
órgão específico de garantia da constituição, o primeiro órgão instituído
apenas para isso, em todo o constitucionalismo português e a sua composição
avizinhava-se a composição corrente em Tribunais Constitucionais, aliás, foi isto
a perceção e indicação dado pelo Insigne Professor Doutor Jorge Miranda.
Ao nível da composição a Comissão Constitucional
continua a servir de modelo inspirador do Tribunal Constitucional pois, dos
seus nove membros, quatro eram Juízes, designados da seguinte forma: um - pelo
Supremo Tribunal de Justiça e três - pelo Conselho Superior da Magistratura; e
cinco, não juízes, designados desta forma: um - pelo Presidente da República, três
- pelo Conselho da Revolução e um - pela Assembleia da República.
Por todas estas similitudes que estão longe de ser
meras coincidências, não hesitamos em afirmar que o Tribunal Constitucional foi
concebido através do decalque feito a partir da Comissão Constitucional.
C. O Engenho Jurídico por Detrás do TC e o seu
Aprimoramento Face à Extinta Comissão Constitucional
Telegraficamente e sem delongas importa referir, nesta
esfera jurídica, que Marcelo Caetano, no seu
ensino, pronunciou-se sempre a favor da concentração de competência e
preconizou que, na metrópole, o incidente de inconstitucionalidade subisse ao
Tribunal de Conflitos.
Em 1972, no livro de José de Magalhães Godinho, foi
preconizada a criação de um Tribunal de Garantias Constitucionais. Nesse mesmo
ano o I Congresso Nacional dos Advogados pronunciou-se por um Tribunal
Constitucional.
Em 1975 Portugal contou com papeis percursoras desempenhadas
pelos professores Jorge Miranda e Francisco Lucas Pires sobre a arquitetura do
Tribunal Constitucional. Se o Professor Francisco Lucas Pires não concretizou
quanto a composição do tribunal constitucional que advogava, já o Professor
Jorge Miranda avançaria a proposta de 9 Juízes, dos quais três nomeados pelo
Presidente da República, três pelo Presidente do Parlamento ouvida a Comissão
de Justiça e três eleito pelo Supremo Tribunal de Justiça durante um mandato de
9 anos sem recondução e com rotação anual. 5 Juízes deveriam ser escolhidos de
entre Juízes de Supremo Tribunal de Justiça, das Relações e das Auditorias
Administrativas e os restantes poderiam ser escolhidos de entre Antigos
Ministros da Justiça, membros da Comissão Parlamentar de Justiça, Professores
Universitários de Direito Público e Advogados com mais de 25 anos de exercício
da profissão.
Ainda o professor Jorge Miranda voltou a carga já em
1980 com mais um projeto de Revisão Constitucional onde alterou por completo a
sua posição de 1975, dizendo que o tribunal constitucional deveria ter 16
Juízes: 3 designado pelo Presidente da República, 3 pela Assembleia da
Republica, 2 pelo Conselho da República, 2 ou 1 pelo Supremo Tribunal de
Justiça e 1 pelo Supremo Tribunal Administrativo existindo este, 6 pelo
Conselho Superior Judiciário de harmonia com o princípio de representação
proporcional.
Os Juízes designados pelo Presidente da República,
pela Assembleia da República e pelo Conselho da República seriam escolhidos de
entre Juristas de comprovado mérito, os indicados pelo Supremo Tribunal de
Justiça e Supremo Tribunal Administrativo de entre os seus membros e os
restantes 4 de entre Juízes dos Tribunais da 1ª Instância e 2 de entre juízes
dos tribunais de 2ª Instância. O mandato seria de 8 anos sem recondução no
período imediato, com renovação quadrienal de metade dos Juízes.
Tendo detalhado nos trabalhos de base, fica por
esclarecer com lhaneza que o Tribunal Constitucional é sim derivado da Comissão
Constitucional - têm aparências acima de tudo, mas não se trata do mesmo
fenómeno - na medida em que a segunda desempenhava funções auxiliares de
outro órgão – nesse caso o Conselho da Revolução.
Ainda enquanto Tribunal com concentração de
competência em matéria de inconstitucionalidade, não estava investido de um poder exclusivo nem de um poder genérico de
decidir sobre a inconstitucionalidade de normas jurídicas, justamente
porque coexistia a par dos Tribunais e só conhecia da inconstitucionalidade de
certas normas.
Veio ao de cima a sua circunscrita intervenção houve
vozes que se levantavam para dizer que a Comissão não teria por razão de ser
tanto defender a Constituição quanto defender o Poder Legislativo contra o
«Governo dos Juízes». Uma vez delimitada pela negativa as competências que
dispunha a Comissão Constitucional, utilizamos os mesmos argumentos em
oposição, mas invertemos o método, desta feita usamos o positivo para afirmar
que o TC distanciou-se da CC porque tem todas as competências que o segundo não
tinha, com real enfoque para a total independência e autonomia que o primeiro
arvora e a máxima abrangência, do ponto de vista vinculativo, das suas
decisões.
D. A Vontade Política
Numa altura da elevada mescla e constante confluência
entre o jurídico e o político, aliás tem sido assim na democracia de então, era
quase impossível não ter a contribuição dos atores políticos no tracejado das
linhas mestras do Tribunal Constitucional e nessa esteira torna imperativo elencar
algumas contribuições dos Partidos Políticos que nos parecem ser relevantes.
Após 1911 os esforços para a criação do que hoje
apelidamos de Tribunal Constitucional estava muito em voga, registaram-se
várias fórmulas e vontades em torno da ideia nas quais destacamos as seguintes:
O Deputado Fernando Boto-Machado, por entender que era
nulo qualquer decreto ou portaria que violasse o Código Fundamental da República
(artigo 53), preconizava a criação duma Câmara dos Censores, com 7 Juízes de
designação provenientes de vários órgãos (art. 19). Todo cidadão ou autoridade
podia requerer a Arbitragem dos Censores se julgasse violado um seu Direito Constitucionalmente
previsto. Mas as decisões não tinham caráter geral. Não invalidariam o ato
senão em relação a pessoa ou às pessoas que tivessem reclamados.
A revisão constitucional de 1971 aditou § 1ª. Ao art.
123, estipulando que a lei poderia «concentrar em algum ou alguns tribunais a
competência para a apreciação da inconstitucionalidade e conferir às decisões
desse ou desses tribunais a força obrigatória e geral…»
O projecto de constituição do CDS propunha 1
presidente e 9 juízes, aquele e 3 dos Juízes nomeados pelo Presidente da
República, 3 pelo Presidente da Assembleia Legislativa e 3 pelo Supremo
Tribunal de Justiça;2 de cada terço deveriam ser escolhidos de entre Juízes do
Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações e o Presidente e os restantes de
entre Doutores em Direito ou Licenciados em Direito com mais de 15 anos de
exercício profissional. O mandato duraria 6 anos, admitindo-se uma
recomendação; bienalmente se renovaria 1/3 dos Juízes.
Dos Projetos Partidários de Revisão Constitucional
apresentados em 1981, um – o do MDP/CDE – propunha um Conselho Constitucional,
órgão «sui generis» - (porque é um órgão da soberania fora das categorias dos
tribunais, embora dotado de competências jurisdicionais), integrando 11
membros: 4 deles cidadãos de reconhecido prestígio democrático designado pelo
Presidente da República; 4 eleitos pela Assembleia da República, em lista
completa nominativa, representando os quatro maiores partidos parlamentares; 2
magistrados judiciais designados pelo Plenário do Conselho Superior da
Magistratura, 1 Juiz dos tribunais superiores e 1 Juiz da 1ª instância, 1 designado
pelo Conselho Superior do Ministério Público. Os mandatos eram iguais aos do
Presidente da República e às legislaturas nuns casos, e de 4 anos nos demais
casos.
Para o projeto de FRS o Tribunal Constitucional teria
15 juízes, designados do seguinte modo: 5 pelo Presidente da República, 5 pela
Assembleia da República, 5 pelo Conselho Superior de Magistratura, por maioria
qualificada de 2/3 dos membros em efetividades de funções, todos por seis anos,
os 10 primeiros de entre cidadãos de reconhecido mérito, não necessariamente
juristas, e os restantes 5 – 2 de entre Juízes dos tribunais superiores e 3 de
entre os Juízes da 1ª instância.
Finalmente no projeto de AD o Tribunal Constitucional
tinha 9 Juízes escolhidos de entre juristas de reconhecido mérito sendo o
Presidente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 2 nomeado pelo
Presidente da Republica, 2 eleitos pela Assembleia da República por maioria
absoluta dos Deputados em efetividade de funções, 2 pelos Magistrados do
Supremo Tribunal de Justiça, de entre os seus membros e 2 pelos Magistrados do
Supremo Tribunal Administrativo também de entre os seus pares. Todos com
mandato hexenal e havendo renovação de metade dos juízes em cada triénio.
Por exclusões
de partes, ou melhor dizendo – reservamos para o fim - O Projecto de Revisão do
PCP onde se visava, diferentemente dos restantes, a manutenção da existência do
Conselho da Revolução – o que segundo o nosso entendimento pretendia fazer
sobreviver os resquícios da confluência do órgão político na vida jurídica e
isto acabava por assassinar a independência e autonomia do órgão. A fora disso,
a criação de um Tribunal Constitucional como observou e bem o António Araújo no
seu trabalho intitulado «O Nascimento do Tribunal Constitucional» era quase
pacífica e consensual.
Uma vez conseguida a
maioria para a consagração constitucional da existência do Tribunal
Constitucional, a questão passou a ter nova face, isto é, nasceu a preocupação
da criação da lei que vai balizar as suas atuações, que vai atribuir-lhe as
competências e que vai delimitar as matérias nas quais ele pode intervir, não
obstante o figurino preestabelecido na constituição. A aprovação da lei do
tribunal constitucional resultou dum processo legislativo breve e simples.
O governo decidiu cometer a um grupo de trabalho constituído
ad hoc por dois especialistas da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra o encargo de preparar um projecto de proposta de lei.
Ora a proposta foi enviada
ao parlamento que entretanto criou uma comissão específica, a chamada Comissão
Eventual para o Tribunal Constitucional que assumiu um papel preponderante na
exata medida em que resolveu todas as questões pendentes que vão desde a:
-Definição dos
procedimentos de designação dos Juízes;
-Competência do Tribunal
Constitucional em Matéria de inscrição de partidos políticos e de contencioso
eleitoral lato sensu;
-Definição dos
procedimentos para a Eleição dos Juízes pelos seus pares; e
-Resolução de todos os
problemas logísticos de instalação e entrada em funcionamento.
A Revisão Constitucional de 1982 e, posteriormente, a
Aprovação da Lei de Tribunal Constitucional concluem formalmente o processo de
institucionalização do Tribunal Constitucional.
E. As suas Fases
Muito rapidamente, e sem grandes construções dogmáticas, abordaremos de
forma mais direta possível as fases que esgravatamos em torno do processo da
criação de Tribunal Constitucional que, a verdade seja dita, não são muitas,
aliás só são duas, a saber:
a) – Uma fase consideravelmente extensa – que ameaçou
irradiar nas décadas 90 do passado milénio e que realmente - começou em 1911 e
perdurou até à Revisão Constitucional de 1982.
b) – Uma fase relativamente curta – que decorreu, numa
velocidade da luz, entre a aprovação da Lei Constitucional n° 1/82, de 30 de
Setembro e a Entrada em Vigor da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Lei de
Tribunal Constitucional).
A rapidez de aprovação da LTC derivou, naturalmente, dos
limites temporais apertados que o artigo 244° da Lei Constitucional n° 1/82
estabelecia. No n° 1 do artigo 244° determinava-se que «até à data da entrada
em vigor da presente lei de revisão, a Assembleia da República aprovará a
legislação respeitante à organização, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional [...]». Por seu turno, o artigo 248° dispunha que «a presente
lei de revisão entra em vigor no trigésimo dia posterior ao da sua publicação
no Diário da República, sem prejuízo da sua aplicação imediata para
efeitos do disposto nos artigos 244° e 245°». O que significa, pois, que o
artigo 244° da Lei n° 1/82 era uma norma de aplicação imediata; após a
publicação no Diário da República da Lei n° 1/82, a Assembleia dispunha
de um mês para aprovar a LTC.
Com a entrada em vigor da lei do Tribunal Constitucional tudo indica que já
havia todas as condições criadas para o desenvolvimento das atividades fulcrais
deste órgão, porque como é óbvio a constituição não podia prever todos os
detalhes da organização, funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
daí a necessidade de criação duma lei específica que regula detalhadamente o
funcionamento do órgão em questão.
III. A Legitimidade do Tribunal Constitucional
Na
aceção crítica de alguns nacionais portugueses subestima-se ou mesmo aprecia-se
em tons demasiado carregados a atuação do Tribunal Constitucional, que, em
termos globais, correspondeu às expetativas reconstituintes de 1982, e não
questionou o traçado do sistema de governo acolhido pela Lei Fundamental.
Não
há, no domínio versado, soluções universais e intemporais pois todas elas
dependem não apenas da visão que genericamente se perfilhe quanto à essência da
Jurisdição Constitucional, mas também, e de modo especial, dos princípios da
ordem constitucional vigente num determinado Estado em certo momento histórico,
com particular incidência no regime político, no sistema de governo e no
sistema de fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder político
constituído.
Houve
um hiato temporal, concisamente nove décadas volvidos, em que se travou a
polémica acerca da caracterização política ou jurisdicional dos Tribunais
Constitucionais e, em particular, da legitimidade do modelo austríaco de
fiscalização da constitucionalidade dos atos do poder político constituído do
estado, máxime das leis entre Autores como Carl Schmitt e Hans Kelsen. A tal
querela visava fundamentalmente saber quem seria o órgão mais adequado para
proteger a Constituição:
Na
aceção Kelsen essa tarefa deveria
caber a um órgão que desempenhasse uma Função Jurisdicional, mas não aos
Tribunais Ordinários, nem se quer aos de Topo (no seu trabalho la garantie
jurisdictionnelle de la constitution – La Justice Constitutionnelle, de 1928,
defende que esse órgão deve ser o Tribunal Constitucional).
Na
obra de Carl Schmitt publicada
ulteriormente (Das Reichsgericht als huter der Verfassung, de 1922), se inclinava
para a atribuição da Justiça Constitucional a um Órgão Político, mais
concretamente ao Chefe de Estado. A lógica que presidia ao seu raciocínio era a
de que - estando o fundamento político da existência do estado na constituição,
a sua proteção deveria ser encarrada como uma actividade eminentemente política
- por isso deveria ser atribuído a um Órgão Munido de Plenos Poderes, visto que
o caráter jurisdicional da justiça constitucional nunca lhe permitiria resolver
atempadamente os problemas políticos mais graves.
Duma
forma pacífica pronunciaram, os Autores como Cappelletti, Favoreu e Stern, no
sentido da legitimidade da Justiça Constitucional em geral e dos Tribunais
Constitucionais em especial. Questionou-se sobre o imiscuir do TC nos assuntos
políticos uma vez que na sua aproximação das realidades sociais assume o papel
crucial de defesa dos direitos fundamentais, em tempos, respondeu o Primeiro
Presidente do «Bunderverfassungsgericht» alemão que: «na verdade não constitui tarefa do TC decidir sobre lutas políticas,
mas apenas assegurar que em face destas lutas sejam respeitadas as normas da
lei fundamental».
Afirma
o professor Marcelo Rebelo de Sousa que a compreensão adequada da natureza da
justiça constitucional e, obviamente, dos seus órgãos implica o profundo
conhecimento multidimensional do Direito Constitucional.
Subscrevemos «tout
court» esta afirmação, pois percebemos o alcance da mesma. Reparem que o
politico também é legislador, ao contrário dos tribunais que só são aplicadores
(salvo quando o TC emite decisões aditivas, que de acordo com a posição de
alguns autores que vão no sentido de considerar as tais decisões como tarefa
legislativa do tribunal, digo já que o Professor Jorge Miranda não comunga este
entendimento, pois para ele as decisões aditivas não passam de uma ferramenta
de completude da norma e defensora do princípio da igualdade). Ora se
reservamos a legitimidade de controlo ao órgão que legisla estaríamos a
empurrar o estado de direito democrático para as trevas e estaríamos a diminuir
consideravelmente, máxime, subestimar o importante papel dos tribunais, daí a
necessidade de o controlo ser exercido não pelos punhos de quem legisla mas sim
daquele que cumpre e manda cumprir as leis. Tecemos esta reflexão com intuito
de destruir a tese de Carl Schmitt por considerarmos ser violadora do princípio
da separação dos poderes tal como foi concebido por Charles de Montesquieu.
A idéia que vitaliza a Legitimidade
do Tribunal Constitucional é a de que o Poder Judiciário é concebido numa
perspetiva altruísta, visto que não manda prevalecer a sua vontade mas sim a
vontade do constituinte, assacado da vontade do povo, sobre as das maiorias
parlamentar.
Na
esfera da legitimidade sobressaltam dois hemisférios das atuações do TC, nos
quais resultam dois efeitos importantíssimos, um negativo (no sentido duma
eventual anulação da Lei Inconstitucional) e outro positivo, nisso pretendemos
colocar o acento tônico (tem que ver com a Garantia da Supremacia Constitucional),
– aspeto que constitui um postulado básico de Estado Constitucional Democrático.
Na
aceção do Professor Jorge Reis Novais a legitimidade é tratado aqui como uma
manifestação da proteção dos Direitos Fundamentais, colocado num polo
antagónico ao do Poder Democrático, onde o primeiro constitui autêntico trunfos
contra a maioria parlamentar.
1. Conhecimento
Detalhado do Tribunal Constitucional
O Tribunal
Constitucional é um órgão jurisdicional em Portugal criado
na sequência da extinção do Conselho da Revolução pela Revisão Constitucional de 1982.
A sua competência nuclear é a fiscalização da conformação das leis e dos decretos-leis com
a Constituição. No dizer do artigo 221 da Constituição da República
Portuguesa ele é o tribunal ao qual compete especificamente administrar a
justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.
Enquanto tribunal que ele
é, compartilha as características próprias de todos os tribunais, nomeadamente
administrar a justiça em nome do povo. É um órgão de soberania segundo o postulado no artigo 202º da Constituição. É independente e autónomo, isto é, não está
dependente nem funciona junto de qualquer órgão e apenas estão sujeitos à lei;
Os seus juízes gozam de garantias de independência,
inamovibilidade imparcialidade e irresponsabilidade e estão sujeitos às
incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais (Artigo 222º/5 CRP); As
suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e
prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras autoridades
(Cfr. Artigo 2 LTC). Mas diferentemente dos demais tribunais, o Tribunal
Constitucional tem a sua composição e competência definidas directamente na
Constituição; os seus juízes são maioritariamente eleitos pela Assembleia da República; dispõe
de autonomia administrativa e financeira e de orçamento próprio, inscrito
separadamente entre os "encargos gerais do Estado"; e define, ele
próprio, as questões relativas à delimitação da sua competência.
O Tribunal Constitucional é
composto por treze juízes, sendo dez eleitos pela Assembleia da República – por
maioria qualificada de dois terços dos deputados presentes,
desde que superior à maioria dos deputados em efectividade de funções. Os três
restantes cooptados pelos juízes eleitos, também por maioria qualificada.
No exercício das suas
funções os juízes do Tribunal Constitucional usam beca e colar, podendo também usar capa
sobre a beca.
Em matéria de
incompatibilidades, está vedado aos juízes do Tribunal Constitucional o
exercício de funções em outros órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, bem como
o exercício de qualquer outro cargo ou função de natureza pública ou privada,
apenas podendo exercer funções docentes ou de investigação científica de
natureza jurídica, que, em qualquer caso, não podem ser remuneradas (artigo
27º/ 1 e 2 LTC).
Os juízes do Tribunal
Constitucional também não podem exercer quaisquer funções em órgãos de partidos, associações políticas ou fundações com elas conexas, não lhes sendo igualmente
permitido o desenvolvimento de actividades político-partidárias de carácter
público (artigo 28º LTC).
É de resto a sua
incumbência apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade nos termos dos
artigos 277 º e seguintes da CRP (Cfr no artigo 223º CRP e artigo 6º LTC)
1.1- Vertente Organizacional
Do ponto de
vista da sua competência organizacional interna, compete ao Tribunal
Constitucional eleger o Presidente e Vice-Presidente, elaborar os regulamentos
internos necessários ao seu bom funcionamento, aprovar a proposta de orçamento
anual, fixar no início de cada ano o calendário das suas sessões ordinárias e
exercer outras competências atribuídas por lei.
O Presidente e
Vice-Presidente são eleitos pelos juízes do Tribunal Constitucional, por voto
secreto, sem discussão ou debate prévios, em sessão presidida, na falta de um e
outro, pelo juiz mais idoso e secretariada pelo mais novo. É eleito Presidente
o juiz que obtiver o mínimo de nove votos e Vice-Presidente o que obtiver o
mínimo de oito votos.
O Presidente
tem funções de várias espécies:
·
Representa o Tribunal e assegura as suas
relações com os demais órgãos e autoridades públicas;
·
Recebe as candidaturas e as declarações de
desistência dos candidatos a Presidente da República e preside
à assembleia de apuramento geral da eleição presidencial e das eleições para o
Parlamento Europeu;
·
Preside às sessões do Tribunal.
·
Dar posse ao pessoal do Tribunal e exercer
sobre ele o poder disciplinar, com recurso para o próprio Tribunal.
Compete ao Vice-Presidente:
● Substituir o Presidente nas suas faltas e
impedimentos.
● Nas sessões
por ele presididas estão vedados a possibilidade de apreciação dos processos
nos quais ele afigura como relator.
1.2-
Vertente Funcional
O Tribunal Constitucional
funciona em sessões plenárias e por secções, consoante a natureza da matéria
sobre que é chamado a pronunciar-se segundo consta do artigo 40/1 LTC.
Compete ao
Plenário exercer o controlo da constitucionalidade e legalidade em fiscalização
abstrata, e às três secções não especializadas (n.1 do artigo 40 da LTC), o
exercício da fiscalização concreta, sem prejuízo da convocação do plenário,
nomeadamente em caso da divergência jurisprudencial.
O Tribunal
reúne ordinariamente, em regra todas as semanas, de acordo com a periodicidade
definida no regimento interno e na calendarização fixada no início de cada ano
judicial.
Cada juiz
dispõe de um voto e o Presidente (ou o Vice-Presidente, quando o substitui) tem
voto de qualidade; assim, em caso de empate na votação, considera-se vencedora
a posição que tiver obtido o seu voto. Os juízes vencidos podem fazer
declaração de voto (artigo 42 º LTC).
O Ministério Público é representado no Tribunal Constitucional
pelo Procurador-Geral da República, que pode delegar o
exercício das suas funções no Vice-Procurador-Geral ou em
Procuradores-Gerais-Adjuntos.
1.3-
Vertente das Competências
Ao Tribunal
cabe-lhe apreciar a inconstitucionalidade de quaisquer normas.
Por outro lado,
o Tribunal Constitucional dispõe de várias competências relativas ao Presidente
da República. No exercício destas, cabe-lhe verificar a morte e declarar a
impossibilidade física permanente do Presidente da República.
O Tribunal dispõe ainda de
competência para julgar os recursos relativos
à perda do mandato de deputado à
Assembleia da República ou às Assembleias Legislativas das regiões autónomas.
Em matéria de
contencioso eleitoral, por sua vez, o Tribunal Constitucional intervém no
processo relativo à eleição do Presidente da República, recebendo e admitindo
as candidaturas e decidindo os correspondentes recursos.
Quanto aos
referendos nacionais, o Tribunal Constitucional intervém fiscalizando previamente
a sua constitucionalidade e legalidade.
No que diz respeito
aos referendos regionais e locais, o Tribunal Constitucional
intervém, igualmente, na fiscalização prévia da sua constitucionalidade.
Ao Tribunal
Constitucional compete igualmente aceitar a inscrição de partidos políticos,
coligações e frentes de partidos, apreciar a legalidade e singularidade das
suas denominações, siglas e símbolos, e proceder às anotações a eles referentes
que a lei imponha. Compete-lhe também julgar as acções de impugnação de
eleições e de deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da
lei, sejam recorríveis, apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos
partidos e aplicar as correspondentes sanções, ordenar a extinção de partidos e
de coligações de partidos, bem como verificar regularmente o número de
filiados.
Compete-lhe também, a
partir de 1 de Janeiro de 2005, apreciar a regularidade e
a legalidade das contas das campanhas eleitorais.
Ao Tribunal Constitucional
cabe declarar que uma qualquer organização perfilha a ideologia fascista, e
decretar a respectiva extinção.
O Tribunal
Constitucional procede ainda ao registo e arquivamento das declarações de
património e rendimentos e das declarações de incompatibilidades e impedimentos
que são obrigados a apresentar os titulares de cargos políticos ou equiparados,
e decide acerca do acesso aos respectivos dados.
Finalmente, e
parafrasear o professor Blanco Morais, o Tribunal Constitucional foi erigido
pela Constituição a vértice do sistema do controlo da constitucionalidade das
normas e da legalidade das leis, constituindo esta realidade o fundamento
basilar da integração do modelo português nos sistemas concentrados. Ainda
recenseamos, a partir do Autor supra, que o modelo português, a par do
brasileiro, é dos poucos sistemas que combina um processo de controlo difuso da
constitucionalidade, realizado em sede de fiscalização concreta, com processos
de fiscalização abstratos, operando em via principal.
1.4- Os Tipos de Processos
No concernente
aos tipos processuais muito pouco se oferece a dizer, na medida em que cada
tipo de processo incita a escrever um outro tema para o trabalho. Aqui,
contrariamente ao método que vimos utilizando, propendemos sim, e só desta vez,
a utilizar o método descritivo e elencar os cinco tipos de processo que o Tribunal
Constitucional utiliza:
-Processo de
Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade;
-Processos de
Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade ou Legalidade;
-Processos que
Versam sobre os Recursos;
-Processos que
Versam sobre as reclamações; e
-Outros
Processos.
Reza o artigo
48º da LTC que na distribuição de processos são utilizadas as normas do Código
Processo Civil que regulam a distribuição dos tribunais superiores em tudo o
que não se achar especialmente regulado na LTC, quer isso dizer que abriu-se
uma janela para aplicação do CPC nas matérias a serem apreciadas no tribunal
constitucional da forma subsidiária, se quiser só em última instância – isto é
quando não consta da própria Lei do Tribunal Constitucional.
Tem uma coisa
que achamos curiosa no processo no tribunal constitucional que tem que ver com
o sorteio dos relatores do processo calendarizado, ao longo tempo, isto é -
anualmente, pela ordem dos juízes na primeira sessão do ano judicial, mas ao
presidente não são sorteado processo para relato.
1. 5- A Perspetiva Comparatista
● À parte: A nível da União Europeia dir-se-á ser inequívoco que
a Constituição portuguesa perfilha uma visão claramente favorável a cooperação
jurídica internacional, distanciando-se duma posição estreitamente nacionalista
e apontado para soluções que tornam fácil a vigência na ordem interna dos
compromissos internacionais assumidos pelo Estado português, bastando para tal
ler as disposições do artigo 8 da CRP onde se depreendem duas normas: a
primeira versa sobre o Direito Internacional Convencional em geral e a segunda
trata-se do Direito Comunitário e transporta para o Direito Constitucional Português
a regra do efeito direto de que beneficiam as normas do direito comunitário derivado.
Estas normas remontam à versão inicial da constituição
de 1976, a sua revisão de 1982 e acresce a ela desde 1992 o disposto no nº6 do
artigo 7, no qual lê-se que «Portugal pode, em condições de reciprocidade, com
respeito da subsidiariedade e tendo em vista a realização do princípio da
coesão económica e social, convencionar o exercício em comum dos poderes
necessários à construção da união europeia»
O Caso Brasileiro
No
Brasil existe o Supremo Tribunal Federal que funciona como órgão do topo do
poder judiciário, tem a função de guardar a constituição segundo artigo 102 da Constituição
Federal. É composto por 11 Ministros (atenção a uma especificidade: que só
podem ser Brasileiros Natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e
menores de 65 anos de idade, de amplo conhecimento jurídico e reputação
ilibada, e nomeado pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria
absoluta do Senado Federal.
Das
suas principais atribuições notamos ser curiosas as seguintes: i) decidir a
extradição solicitada por Estado estrangeiro ii) arguir o incumprimento duma
norma constitucional fundamental iii) declaração da constitucionalidade da lei
ou ato normativo federal iv) julgar a ação direta de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual.
Julga
os recursos ordinários, o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data
e o mandado de injunção decididos em única instancia pelos tribunais
superiores. Em recursos extraordinários julga causas decididas em única ou em
ultima instancia quando a disposição recorrida contraria o dispositivo
constitucional.
Em
2004, por intermédio da emenda constitucional n. 45/2004, foi introduzida a
possibilidade do Supremo tribunal Federal aprovar, após reiteradas decisões
sobre a matéria constitucional, súmula com efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do poder judiciário e a administração pública direta e indireta,
nas esferas federal, estadual e municipal (artigo 103-A da CF/88).
O
Supremo Tribunal Federal decide em única e ultima instância a
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, tratando do controlo concreto
ou incidental.
Deparamos
com um facto curioso no sistema brasileiro que merece uma especial analise,
refere-se ao facto de no artigo 53, X da CF, vier consagrado a possibilidade do
senado federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato
normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF, mas afinal
a quem cabe a ultima palavra na matéria de constitucionalidade no Brasil ???? Esta
dúvida envolveu-nos desde início quando reparamos que a nomeação dos Ministro
(Juízes - mutatis mutandis - em Portugal) comporta mais faceta política que
jurídica, ora nessa análise residual, torna difícil encontrar resposta a essa
questão sem socorrer-se das opiniões dos «experts» brasileiros, pelo que repescamos
os seguintes entendimentos:
Antes
importa elucidar que tradicionalmente, isto é, viajando na história do sistema
de controlo da constitucionalidade brasileiro, percebem os autores que o
controlo difuso está presente desde a constituição de 1981, e desde 1934
compete ao senado federal brasileiro, por meio de resolução, suspender a
execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do supremo
tribunal federal.
Segundo
Cattoni, Strck e Barreto no controlo difuso há participação democrática de
forma indireta pela missão constitucional atribuída ao senado federal. E se a
pretensão é retirar do processo de controlo difuso a participação dos
representantes do povo, contrariamente ao expressamente estipulado na
constituição de 1988, estaria a desvirtuar a competência constitucional do
senado e estaria a atentar gravemente contra direitos e garantias fundamentais.
Foram ainda mais longe quando afirmaram que ao atribuir a eficácia erga omnes e
efeito ex tunc a decisão proferido em sede de controlo concreto – Qer dizer a de Supremo Tribunal Federal
(o negrito é nosso), é fazer desaparecer a diferença entre os dois modelos
(difuso e concentrado), tornando-os num único. Não repassaram a ideia de que o
senado (representação política da federação) não está vinculado ao entendimento
do Supremo Tribunal Federal. Não cabe ao supremo tribunal federal corrigir a
constituição, pois se a resposta fosse positiva tratar-se-ia dum poder
constituinte constante e ilegítimo.
Numa
oposta orientação posicionou o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que de resto
demonstrou estar preocupado e inconformado com o entendimento dos outro
autores, porque para ele o entendimento de que a eficácia de declaração da
inconstitucionalidade proferida pelo STF em casos concretos ter que sujeitar-se
a decisão do senado federal perdeu parte do seu significado com a ampliação do
controlo abstrato de normas, sofrendo mesmo um processo de obsolescência. Ainda
indagou: se o STF pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender
liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo da emenda constitucional, porque
haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controlo
incidental, valer tão-somente entre as partes?
Toda
essa discussão revela-nos a quão complicada é a justiça constitucional no
Brasil, houve quem já disse que o modelo difuso de controlo da
constitucionalidade no Brasil nunca deu certo «isto porque o Direito Brasileiro
tem a sua matriz na tradição romano-germânica…. E common law não se improvisa
nem se copia». Nós preferimos dizer que compreendemos fundamentalmente que
visa-se manter no topo do sistema jurídico a voz do povo, in casu - o Senado,
basicamente é como que pintaram e iludiram o STF com tarefas de guarda da
constituição, para depois furtar-lhe a emissão da ultima palavra sobre a
constitucionalidade à favor do vogal do povo. Mais não visa esta construção se
não confirmar o sentido pleno da democracia, o verdadeiro detentor do poder e a
participação plena dos cidadãos até últimas instâncias.
Parece-nos muito
democrata este sistema, mas pouco jurisdicional e geradora da incerteza
jurídica sobre a quem cabe a última palavra no controlo jurisdicional. Na
realidade desta mescla retira-se, salvo o melhor entendimento, a politização do
jurídico.
IV. Os Traços Característicos
Pareceu ser necessário ilustrar em três pontos as
caraterísticas específicas da constitucionalidade em Portugal:
- Em Portugal vigora um sistema «misto» de controlo de
constitucionalidade, pelo menos é o que podemos captar com base nas incursões
que fazemos, para significar que apesar de existir um Tribunal Constitucional,
todos os tribunais portugueses dispõem do poder, e têm acima de tudo o dever,
não só de apreciar a constitucionalidade das normas jurídicas que lhes cumpre
aplicar, como de recusar a aplicação das que considere inconstitucional,
conforme resulta do artigo 207 CRP. Não obstante este entrelaçamento, a verdade
é que das decisões dos outros tribunais que apreciam questões de
inconstitucionalidade cabe o recurso para o Tribunal Constitucional – recurso
esse, que em alguns casos, chega mesmo a ser obrigatório (artigo 280º CRP).
-A competência de Tribunal Constitucional para o
controlo da constitucionalidade de normas jurídicas não se restringem ao que é
exercido pela via do recurso supra mencionado (controlo concreto, com eficácia
limitada ao caso), é mais que isso, aliás abrange a competência de controlo
abstrato, exercida a requerimento de determinadas entidades públicas e com
eficácia obrigatória e geral (Cfr artigos 281 e 282 CRP). Para determinadas
categorias de normas, exemplo das convenções internacionais e normas com o
valor formal de lei, o uso da tal competência também afeta a modalidade de
controlo preventivo artigos 278 e 279.
-A constituição não faz alusão sobre qualquer
restrições no tocante ao controlo da constitucionalidade quanto as normas que
caem no âmbito desse controlo, pois abrange, em princípio, todas as normas
aplicáveis no quadro da ordem jurídica portuguesa, estendendo assim àquelas que
integram a ordem jurídica por força da receção que ela faz das normas jurídicas
internacional, máxime das convenções internacionais celebrados pelo Estado
português, resulta da interpretação do artigo 277/2 da CRP – o qual estabelece
justamente uma exceção à competência de controlo normativos dos tribunais, mas
limita à apreciação dos vícios de forma. É óbvio que neste contesto e face ao
princípio consignado no artigo 207 CRP, afora da exceção acerca do controlo
preventivo, as normas internacionais internamente recebidas estão sujeitas ao
controlo da constitucionalidade.
V. Conclusão
Terminamos esta incursão com duas perguntas que, ao
serem respondidas, daremos por findo o trabalho. I-O Tribunal Constitucional em
Portugal nasceu por arrastamento? II-Contribuiu para a paz constitucional em
Portugal?
I
Convém lembrar que, em 1803, inaugurou-se a judicial
review da constitucionalidade das leis, estamos a referir o caso Marbury vs.
Madison que veio na célebre sentença do Supremo Tribunal dos EUA, passado quase
um século criou-se o Tribunal Constitucional Austríaco (em 1920).
Na constituição de 1911 estabeleceu-se em Portugal a
fiscalização judicial difusa do modelo americano.
Estes itens convida-nos a reflectir sobre a pergunta
que colocamos e consequentemente responde-la dizendo que é mesmo por arrastamento
ou seja é mesmo derivado da conjuntura dessa época contudo em cada criação
vai-se apercebendo dum tendencial ajuste das ideais ao modelo de fiscalização
de cada país mas nem é preciso estar muito atento para aperceber dos traços
comuns entre modelos preconizados em vários países. Ora ganhamos esta ousadia
em afirmar que o tribunal constitucional português veio por arrastamento porquê
constitui uma febre do século passado assacado tanto na ideia de globalização
ou, se quiser, comunitarização, como na perspetiva de melhoramento da Justiça Constitucional
a partir da criação do Tribunal Constitucional. Registamos a opinião dum eminente
jurista francês que alertou que a legitimidade do controlo jurisdicional das
leis não é mais posto em causa desde os anos 80.
Inclinamos a concordar plenamente com a afirmação do
Autor supra citado, uma vez que mesmo nos países mais renitentes ao fenómeno,
p.ex. o caso da França – (em que o Conseil Constitutionnel, rigorosamente
falado, nunca foi concebido para funcionar como uma verdadeira jurisdição,
porque alem de ter a natureza política, a ideia que lhe nutria é a de reforçar
os poderes e controlo do executivo sobre o parlamento. A designação dos seus
membro era feita, literalmente, pelas autoridades políticas, se não vejamos:
O Presidente da República designava três; O Presidente
da Assembleia Nacional designava três; e o Presidente do Senado designava os
restantes três membros – Facto que, só por si, não conferia garantia de isenção
do órgão.)
Dos anos 70 pra cá a imagem desta instituição francesa
começou a alterar-se, ora pela mudança do seu direito regulador, ora pela
evolução da sua jurisprudência, ora pela prosperidade do contexto político e
fundamentalmente pela curiosidade que a análise do conseil constitutionnel
suscita na perspectiva do direito comparado. Nos tempos hodiernos a França
recebe uma qualificação de uma jurisdição constitucional limitada, visto que
ainda há o sentido de evitar que os juízes afastam a vontade do legislador, mas
ainda assim, quando os seus avanços foram tidos em linha de conta – confere-lhe
uma legitimidade que tende a ser pacificamente aceite.
Captamos ainda que a existência de uma jurisdição
constitucional, quando confiado a um tribunal específico, parece estar na moda
e quase que constitui, atualmente, um elemento de legitimação e de
credibilidade política dos regimes constitucionais democráticos.
Há quem tenha ido mais longe, trata-se do Professor
Vital Morreira, ao afirmar que a jurisdição constitucional passou a ser
crescentemente considerada como elemento necessário da própria definição do
estado de direito democrático.
II
O início da vida do tribunal constitucional foi
marcado pelos embates com o Supremo Tribunal de Justiça, ora dito isto assim
inculca a pensar que a resposta para a questão propende a ser negativa, mas a
verdade é que os embates do que se falou continham uma expressão meramente
simbólica e protocolar.
Existia, apesar de tudo, um risco de eclosão de
conflitos que não deve ser subestimado. Esta preocupação durou poucos anos,
porque a revisão constitucional de 1989 resolveu todos os problemas de
coexistência entre os dois órgãos. Pouco a pouco o Tribunal Constitucional
começou a impor as suas decisões e felizmente, em termos globais, as suas
decisões começaram a conquistar um respeito generalizado por parte dos outros
tribunais.
Ao nível de cumprimento do dever e das correspondências
das expetativas pode-se dizer que, de uma forma geral, o Tribunal
Constitucional superou todas as dificuldades, tem desempenhado a sua tarefa de
modo satisfatório – o que faz com que – já ninguém questiona a razão da sua
existência, muito menos a posição sui generis que detém no quadro da orgânica
judiciária.
Em fim… Dentro dum País – Um Ordenamento, Dentro dum Ordenamento
- Um Sistema, Dentro dum Sistema – Um Tribunal, Dentro dum Tribunal – Uma
Jurisprudência que além de completa, ampla e coesa, é extremamente convincente,
facto que acaba por elevar o nível judiciário e impulsionar a credibilidade da
Justiça Constitucional em Portugal.
Hoje pode
gabar-se que em Portugal vive-se uma paz constitucional, tudo à mercê da
existência do Tribunal Constitucional.
DONE BY: Ricardo Vicente Lima
da Costa
e Silva.
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