quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

EXEMPLO DUMA CONTRA-ALEGAÇÃO EM RECURSOS

   

                               Contra-Alegação



Tribunal Judicial da Comarca de Tondela
1ºJuizo Cível
Processo nº 1985/17


Meritíssimo(a) Juiz(a) de Direito
Tribunal Judicial da Comarca de Tondela


KABI NA DEBÉ, Réu/Recorrido melhor identificado nos autos, cujo Autor/Recorrente é ANTÓNIO QUETA JR, tendo sido notificado pelo mandatário do A., da interposição, pelo mesmo, de Recurso de Apelação da Douta Sentença proferida nos Autos, assim como do Despacho Saneador, vem a luz do estipulado nos artigos 684º-B e 685º/5 ambos do Código do Processo Civil, doravante CPC, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES.


E.D.
O Advogado
(Assinatura electrónica)


Junta: comprovativo da notificação à parte contrária do requerimento e contra-alegações, nos termos dos artigos 229º-A e 260º-A do CPC, e comprovativo do pagamento da taxa de justiça autoliquidada através de DUC, nos termos dos artigos 6º/2 do RCP e Tabela I-B anexa. Ainda faça constar que o artigo 152º/7 do CPC potencia o R. a não apresentar ou fornecer duplicados.





EXMOS. SENHORES DESEMBARGADORES
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


KABI NA DEBÉ, Recorrido nos presentes autos, vem apresentar as suas

CONTRA-ALEGAÇÕES

O que faz nos termos dos arts. 684º-B e 685º/5 do CPC e com os fundamentos que se seguem:

Vem o recurso interposto da decisão do tribunal de 1ª instância que julgou acção totalmente improcedente, por não provada, e nessa esteira absolveu o Réu de todos os pedidos que, contra ele, o Autor formulou.

De acordo com o alegado, o Recorrente sufraga, fundamentalmente, o seguinte:

a)      A sentença do tribunal a Quo fez uma incorreta interpretação dos artigos 7º do código do registo predial, e artigo 350º do código civil, permitindo que o direito registal publicite uma situação sem nexo com a realidade. 
b)      Dos depoimentos das testemunhas não brota provas bastantes que o terreno tinha sido ocupado desde 1980 e nem que a construção do barracão tenha ocorrido em 1996.
c)      Da réplica do Apelante consta um facto não indicado na P.I., pelo que o mesmo devia ser aceite como resposta a contestação do R, ora Recorrido, no despacho saneador.
d)      A presunção do art. 7.º do Código do Registo Predial não pode aproveitar ao Recorrido, logo não há inversão do ónus da prova. Continua a caber ao Recorrido a prova dos factos constitutivos do direito que alega ser seu e que levou a registo, uma vez que, por um lado, a doação verbal de Zacarias não é passível de ser provada e, por outro lado, não se preenche o requisito do decurso do tempo para aquisição por Usucapião.
e)      É notório, e reconhecido pelo Tribunal a quo, que ainda não decorreu o prazo para aquisição pelo Recorrido do terreno por usucapião.
f)       Parafrasear o Professor Menezes Cordeiro: são nulos todos os factos sustentados por uma escritura de justificação notarial que enferma de falsidades – o chamado efeito de contaminação.

Esta Contra-Alegação destina-se a evidenciar que os argumentos utilizados pelo Recorrente são contrários aos factos provados e são desprovidos de fundamentação idónea, o que só confirma que com a interposição deste recurso se pretende protelar o desfecho da acção, adiando uma decisão perfeitamente justa.

A total falta da razão do recorrente é captado diretamente: da ênfase que deu à solução seguida no Acórdão de Uniformização da Jurisprudência do STJ de 4 de Dezembro de 2007, processo nº 07A2464, citado por ele nas suas alegações, no parágrafo 56°, por pensar que o tribunal ad quem está obrigado a decidir em conformidade com a jurisprudência uniformizada sob pena da ilegalidade da decisão, ora persiste a doutrina mais atenta e esclarecida do Professor Doutor Rui Pinto segundo a qual, «qualquer tribunal pode não seguir o acórdão uniformizador, ainda que a causa seja idêntica. A decisão só vincula o tribunal a quo, todavia o que sucede é que a subsequente decisão poderá ser recorrível nos termos do artigo 678, nº 2, al. c)». (In Rui Pinto, elementos de processo recursal, 2010, pág. - 209).

Importa frisar que ao invés dos anteriores assentos (que vigoraram até 31 de Dezembro de 1996), o acórdão de uniformização da jurisprudência não tem a força vinculativa, tem é a força/efeito persuasivo qualificado na opinião de Brites Lameiras. Duma forma indireta a tal falta de razão é assacado: da redacção que deu as conclusões das alegações do seu recurso. Se não vejamos:


1 - Do Despacho Saneador

1.1-   Alega o Recorrente contra o desentranhamento da réplica, com o fundamento que da réplica constava um facto essencial à causa, não alegado na petição inicial, isto é, o Despacho Seneador deve ser revogado na parte em que não admitiu a réplica, e, em consequência, ser substituído por outro que admita a réplica apresentada, anulando-se todos os actos posteriores à prolação dessa decisão, incluindo a matéria de facto por a mesma não ter tido em conta a matéria alegada na réplica em respeito ao art. 715º, nº2 do CPC (cfr ponto 21 da alegações do recurso).

Ora em consonância com a observação irrepreensível e bem demarcada do tribunal a quo: o Autor, ora Recorrente não demonstrou qualquer facto constitutivo do direito sobre o mesmo prédio rústico, nem se quer se afigura perceptível na sua P.I. querendo com isso dizer que o Autor não alegou factos bastantes, nem deles fez a prova da pudesse deduzir a existência de qualquer negócio válido ou aquisição originária a seu favor. Repare que nem se quer falou da sua eventual ocupação, melhor dizendo, da sua ligação possessória, a partir de 1980, ao prédio na sua globalidade - o que furtaria também por este lado qualquer tutela à sua posição.

Posto isto conclui-se que o Apelante não é se quer detentor, nem possuidor e muito menos proprietário, tanto assim que nem se aventurou a começar por acção da revindicação constante do artigo art.° 1311, nº 1. No fundo nem lhe é permitido lançar a mão dos institutos da acção directa ou da restituição da posse, art. 1277° conjugado com 336° e respectivamente art. 1278°, ambos do Código Civil.

Acresce à isso tudo o facto de, na réplica, o apelante limitar-se a reafirmar o que já dissera na sua P.I., constituindo um «copy & paste» se quiser, um mero repositório da matéria que já era objecto dos Autos, desrespeitando assim os limites plasmado no art° 502 para a admissibilidade da réplica.

O douto despacho que rejeitou a réplica e ordenou o respectivo desentranhamento, objecto de recurso, é absolutamente exemplar, não merecendo qualquer reparo: a decisão é inquestionável; a respectiva fundamentação clara e inequívoca.   
    
1.2-         Alega o apelante (no ponto 13 da alegação) que “o Tribunal a quo deveria ter feito uso da faculdade concedida pelo artigo 508.º, n.º 1, alínea a) – sobre as exceções e 511.º do Código de Processo Civil – sobre a selecção de matéria de facto levado à base instrutória. Ora, perfilhamos o entendimento da doutrina e jurisprudência maioritária segundo qual: cabe ao Juiz, na fixação da base instrutória, seleccionar matéria de facto relevante para a decisão da causa, contudo o nº 2 do art.° 511 permite as partes reclamarem contra a selecção da matéria de facto, mas a verdade é que uma vez proferido o despacho sobre a mesma reclamação apenas poderão ser impugnado no recurso interposto da decisão final.


2 – Da Sentença Final


  2-1-  O Apelante pediu que fosse declarada nula a Escritura de Justificação Notarial (com fundamento em sua falsidade) e ordenado o cancelamento de quaisquer inscrições registais operadas com base na mesma escritura.

       2-1.1- Ora, a falsidade das afirmações dos outorgantes não figura entre as causas típicas de nulidade dos actos notariais, previstas nos artigos 70.º e 71.º do Código do Notariado, motivo pelo qual o pedido do Apelante está votado ao insucesso, fundamentalmente porque mesmo em termos doutrinários o fundamento referido pelo recorrente no ponto imediatamente acima, personificado em Menezes Cordeiro, constitui a tese minoritária.

2-1.2-Está em causa neste recurso, essencialmente, a pretensão do recorrente no sentido de que tendo efectuado o registo do prédio em discussão, com base numa escritura notarial de justificação da aquisição daquele por usucapião, beneficia da presunção da titularidade prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial, apesar de ser objecto desta acção a impugnação da referida escritura de justificação notarial.

2-1.3-O instituto da justificação notarial consiste num expediente técnico simplificado de titulação de facto com vista ao seu ingresso no registo, na falta de título mais idóneo, tal como resulta da origem histórica deste instituto – Lei nº 2049 de 6-08-10951, Decreto-Lei nº 40603 de 18-05-1956 a que sucedeu o regime actual dos arts.89º, 101º do Cód. do Notariado e art. 116º, nº 1 do Cód. de Registo Predial. Por seu turno o art. 7º deste último diploma legal estipula que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

2-1.4-Este dispositivo não contém qualquer restrição e, por isso, caso seja efectuado o registo do facto justificado pela escritura de justificação predial, o titular inscrito goza da referida presunção mesmo na acção em que seja impugnado o facto justificado, isto porque a escritura de justificação é para estabelecimento ou reatamento do trato sucessivo (art. 116 do CRP). 

2-1.5-Em meu entender, o recorrido sempre beneficiou da presunção decorrente do registo que o recorrente não infirmou, na medida em que o afastamento de uma presunção legal só pode ter lugar através da prova de factos que a contrariem - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pgs. 312-313.

         2-1.6-Caso adotasse a solução contrária ficaria sem conteúdo útil a disposição do art. 101º, nº 2 do Cód. do Notariado que estipula que após a celebração da escritura se não possa extrair certidão da mesma antes de decorrido o prazo de trinta dias contados da publicação do extracto da mesma escritura e desde que nesse prazo não seja recebida a comunicação da pendência de acção de impugnação daquela. Assim, a escritura é publicada por extracto (artigo 100º nº1 CN) e, no prazo de 30 dias contados da publicação, os interessados podem proceder à impugnação judicial do facto justificado. (nº2 do citado artigo 100º).

2-1.7-Ora o prazo de 30 dias visou retardar a realização de qualquer registo fundado na escritura a fim de possibilitar que eventual impugnação de algum interessado seja previamente dirimida no foro judicial. Decorrido o prazo sem que o notário receba comunicação da pendência de impugnação, pode ser passada certidão da escritura, deixando de haver obstáculo ao respectivo registo.

2-1.8- Tratando-se de uma escritura pública, é um documento autêntico - "ex vi" do disposto nos artigos 369º do Código Civil e 35º nº 2 do Código do Notariado - faz prova plena não só dos factos praticados pelo respectivo oficial público - notário - como dos factos atestados com base nas suas percepções. A força probatória material só pode ser ilidida pela via da falsidade nos termos do nº1 do artigo 372º do Código Civil, que conduz à prova do contrário, e não apenas à simples contraprova.

2-1.9-Se com ou sem registo, o Justificante não beneficiasse da respectiva presunção decorrente do registo, não haveria razão para a exigência daquele hiato temporal, pois, então bastaria que a lei impedisse a passagem da certidão antes de ser comprovado a publicação do extracto da escritura. Logo o entendimento contrário ao nosso viola o disposto no nº 3 do art. 9º do Cód. Civil.

2-1.10-Por outro lado, também não é acatado o argumento geralmente apontado, no qual a solução legal aqui defendida é perigosa para o comércio jurídico por permitir que com base numa simples escritura notarial contendo o depoimento de três testemunhas, sem qualquer controlo contraditório ou judicial, fosse possível um qualquer sujeito beneficiar da presunção decorrente do registo.

2-1.11-Com efeito, o estabelecimento do instituto em causa visou, como já dissemos, satisfazer prementes necessidades de ordem prática ponderando o legislador na sua institucionalização esses perigos que considerou serem menores quando confrontados com os benefícios decorrentes da adopção daquele regime legal. Além disso, as pessoas que fraudulentamente usem esse instituto estarão sujeitas às sanções legais, mesmo de ordem penal, que as desencorajam, em regra, dessa prática ilegal.

2-1.12-Acresce a isto a possibilidade de o gozo da referida presunção legal poder ser afastada, pois se trata de presunção iuris tantum, e, portanto, passível de ser contrariada por prova em contrário.

2-1.13-Só que, com o registo, deixa de haver a situação de incerteza que é pressuposto desse tipo de acção e passa a haver uma situação de agressão concreta a um direito de outrem, pelo que só uma acção de condenação, afirmando uma realidade real diferente da realidade registal, pode pôr em causa esta última, afirmada pela presunção do art.7º do CRP.


2-1.14-Em jeito de conclusão reitera: somos da opinião de que, como no caso dos Autos, o réu-justificante, ora recorrido que efectuou o registo do prédio justificando com base na escritura de justificação, por falta da atempada impugnação, beneficia da presunção decorrente do registo, nos termos do artigo 7º do diploma legal supra citado.

        Finalmente como o Apelante não provou o contrário do que consta do registo, (isto é: não destruiu a presunção e nem invocou factos que pudessem sobrepôr aos levados ao registo), a solução justa e equitativa passa necessariamente por julgar improcedente o pedido do Recorrente.

2-2- Alega ainda, o Apelante, que cabe ao Recorrido a prova dos factos constitutivos do direito de propriedade, não podendo a presunção constante do art. 7.º do CRP, aproveitar ao Recorrido uma vez que a acção de impugnação, em causa, é uma acção de simples apreciação negativa (arts. 4.º, n.º 2, al. a) e 343.º, n.º 1 do CPC).

2-2.1- Em lógico corolário, incumbirá ao autor, por seu turno, a prova dos respectivos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, sendo uma das funções da réplica nesse tipo de acções, exactamente, o cumprimento do ónus de alegação destes factos, tal como preceitua o n.º 2 do art. 502 do CPC. Isto significa que a acção de declaração negativa se assimila à natureza dos antigos «juízos de jactância» (provocatio ad agendum et probandum), passando o autor formal a réu em sentido material, e o réu formal a autor material.
 
2-2.2-É precisamente pelo facto de a réplica assumir nas acções em apreço a função da contestação, é que o prazo de apresentação deste articulado, de 15 dias nas demais acções, foi aumentado, tratando-se de acção de simples apreciação negativa, para 30 dias (n.º 3 do artigo 502.º), o prazo normal, justamente, da contestação em processo ordinário (artigo 486.º, n.º 1.


2-2.3-Dispõe no mesmo sentido e clarividencia o acórdão da RP de 02/04/87, de cujo sumário se respiga: "a inscrição registal dispensa o titular inscrito de provar o facto em que se funda a presunção derivada do registo, isto é, que o direito existe e existe na sua titularidade. Para conseguir a elisão da presunção legal derivada do registo, há que provar (e para isso alegar) os factos demonstrativos de que a titularidade da propriedade inscrita não corresponde minimamente à verdade - e tal ónus incumbe ao impugnante do registo"

2-2.4-Ou seja ao contrário do que é alegado pelo Apelante, era a este que incumbia alegar e provar factos susceptíveis de ilidir a presunção do art. 7.º, CRP, de que o Recorrido beneficiava por ter efectuado o registo do seu direito com base na escritura de justificação notarial, o que o recorrente não logrou fazer.

2-2.5-A presente acção de justificação é habitualmente classificada como de simples apreciação negativa, pelo que o ónus de prova se inverte, nos termos do art. 343º, nº 1 do Cód. Civil. Porém beneficiando o aqui réu da presunção decorrente do registo, nos termos do art. 344º, nº 1 do Cód. Civil, volta o ónus de prova a caber aos aqui ao Autor impugnante do facto justificado.

2-2.6-Por conseguinte repescamos a posição do Ministério Público, sobre esta matéria, no Acórdão de Uniformização da Jurisprudência de STJ de 4 de Dezembro de 2007, processo nº 07A2464, segundo a qual: Na acção de impugnação de facto justificado notarialmente e inscrito definitivamente no registo, incumbe ao autor ilidir, mediante prova em contrário, a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, face às disposições conjugadas dos artigos 7º, 8º, 10º, 116, nº 1 do Código de Registo Predial, 344º, nº 1 e 350º do Código Civil”, pelo que o Acórdão recorrido deve ser mantido no concernente a esta questão. 


3 – Da Posse

        3.1-   O conceito da Posse resulta do Código Civil, concretamente no, livro III, artigo 1251.° onde lê-se que a Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

        3.2-  Convém frisar que a concepção subjectiva e posse consagrada nos artigos 1251º e 1253º do CC foi formulada por Savigny, onde a posse é integrada por dois elementos: o corpus (o elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, ou seja, no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício); e o animus possidendi (elemento psicológico, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa o direito correspondente àquele domínio de facto.

        3.3-  Ora, segundo a melhor doutrina: “ entre nós está acolhida a posição subjectivista”, porque “dos artigos 1251 e 1253 verifica-se que a posse exige o corpus e o animus: se faltar o animus possidendi, estamos perante uma mera detenção ou posse precária”. Cfr. Mota Pinto in, “direitos reais”, Almedina, 1971, pp. 189,190.

          3.4-  In casu poder-se-á aferir, dos elementos dados como provados na decisão final, que o R. usufruía do terreno, preenchendo o corpus necessário para a existência de posse e em simultâneo o animus, ou seja a intenção de actuar como o seu legítimo proprietário.

          3.5-  Ficou fundamentalmente comprovado que essa posse foi adquirida sem violência, de boa fé e mantida sem oposição, ostensivamente, com conhecimento de toda a gente e com aproveitamento de todas as utilidades do prédio, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, quer usufruindo como tal o imóvel, quer suportando os respectivos encargos.

3.6- Acresce ainda o facto de esta posse ser em nome próprio, pacífica, contínua e pública, conduzindo assim a aquisição do imóvel, por usucapião, que invoca, justificando o direito de propriedade, para o efeito de registo, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título formal extrajudicial. Pelos segundos outorgantes foi dito que confirmaram as declarações que antecedem, por corresponderem inteiramente à verdade.

        3.7- Levando em linha de conta tudo acima referido a solução não pode ser outra, quer dizer que toda a actuação de R. consubstancia um caso típico da posse efectiva, pelo que o tribunal ad quem deve julgar improcedente todas alegações do recorrente e manter a decisão sob censura.


4 - Do Tempo

           Da Usucapião:

        4.1-  Alega também o Apelante, que não decorreu o período de tempo suficiente para que possa ocorrer a usucapião.

4.2-  A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e o decurso de certo período de tempo (art. 1287.º, Cód. Civil). Especificamente os prazos são de quinze e vinte anos, contados desde o início de posse respectivamente se o possuidor estiver de boa ou de má-fé nos termos do art. 1296º do CC.

4.3- Urge considerar que a usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião (Oliveira Ascensão, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, ROA, Ano 34, pág. 43/46). E o art. 101º, nº1, do Cód. do Notariado, não fixa qualquer prazo para propositura da acção de impugnação do facto justificado.

4.4- Feitas as contas, descobre-se que existe não só a posse, reitero – de boa fé, como também o decurso de prazo mais que suficiente, sem embargo da interrupção ora alegado, se não vejamos:

        Da data de doação verbal (1980) à data da outorga da escritura de justificação notarial (2007) passaram vinte e sete anos.

        Sendo a posse de boa-fé, só necessitava de 15 anos e ainda que assim o tribunal ad quem não entendesse só ia precisar de mais 5 anos para beneficiar da posse de má-fé.

        Mesmo que se considerasse a data da morte de Zacarias como a do início da posse, teriam, até 2007, na mesma passado vinte e dois anos - tempo suficiente para a aquisição por usucapião.

4.5- Em abono de todos os fundamentos acima mencionado, adicionamos a circunstância de a própria sentença do tribunal à quo ter confirmado no ponto 2.2, VIII e IX que antes da data da morte de Zacarias o recorrido já tinha entrado na posse e fruição do terreno em nome próprio e que a tal posse já tinha sido adquirida há mais de vinte anos sem interrupção ou ocultação de quem quer que seja.

4.6- Provou a prática reiterada sobre o prédio, por mais de 20 anos, de actos materiais de cultivo (plantação de árvores, cultivo da terra, poda das fruteiras, colheita dos frutos) exercidos publicamente e pacificamente. Pelo prazo, pela publicidade, pela ininterrupção e reiteração, não haveria obstáculos à proclamada usucapião (1296º, CC).
 
4.7- Deste modo o fundamento do presente recurso deveria ser julgado totalmente improcedente, mantendo o decidido na sentença recorrida.


Conclusões:


I -    Está o Recorrido dispensado de efectuar a prova dos factos que levaram à usucapião, em virtude da presunção do art. 7.º, CRP, e em virtude de esses factos, no caso concreto, terem sido alegados em juízo e constarem da escritura de justificação notarial que serve de base ao registo.

II -  Caso o Tribunal ad quem considere não existirem factos suficientes quer na escritura, quer alegados na acção, para fundarem a usucapião, deverá o presente recurso improceder.

III -  Não deve a decisão que desentranhou a réplica ser revogada, na medida em que nessa peça, Apelante se limita a reafirmar o que já dissera na sua petição inicial, constituindo uma mera repetição ou repositório de matéria que já era objecto dos autos, não cumprindo assim, os limites estabelecidos para a admissibilidade da réplica, constantes dos art. 502.º do CPC.

IV -  De acordo com  a posição sustentada, o Acórdão uniformizador não constitui um parâmetro à actuação do tribunal ad quem, pelo que deixa margem para uma decisão inovadora, certeira, equitativa e actualizada.

V -    Decorrido o prazo de impugnação da escritura de justificação notarial sem que a ela tenha havido lugar, isto é, cumprida que seja a fase da publicidade da respectiva outorga e inscrita a aquisição do direito, como é o caso, passa esta inscrição a constituir a presunção da titularidade do direito em causa, nos termos do artigo 7.º, CRP.

VI -   O Recorrido goza da presunção decorrente da inscrição registal do seu direito (art. 7.º, CRP), presunção esta que determina a inversão da regra anterior, desonerando-o de provar os factos constitutivos do seu direito, afastando a obrigação que lhe cabia por força do art. 343.º, n.º 1 do Cód. Civil.

VII -  Por virtude da mencionada presunção com a consequente dispensa do ónus da prova dos factos constitutivos do direito que o Recorrido se arroga, o ónus de prova da falsidade da mencionada escritura de justificação notarial, ou seja, de que o direito nela declarado não existe, passa a pertencer ao Autor/Apelante (artigos 342.º, nº 1, 344.º, nº 1 e 350.º, Cód Civil e 7.º, CRP).

VIII - Como o Apelante não logrou ilidir essa presunção, não tendo feito a prova do contrário, cabendo-lhe essa prova, deve o seu pedido ser julgado improcedente, nos termos dos arts. 516.º do CPC e 347.º e 350.º, n.º 2 do Cód. Civil.

IX -   Das circunstancias do caso, no global, não resta dúvidas que o recorrido detinha a posse de boa fé e que tinha decorrido o prazo suficiente para beneficiar da propriedade por via da usucapião, uma vez que a sua actuação consubstancia um caso típico da posse efectiva .

Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pelo recorrente.



O advogado,
Ricardo Vicente





                        DONE BY: Ricardo Vicente Lima da Costa e Silva.


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