Comentário ao Acórdão de Tribunal de Relação
de Coimbra de 12-01-2010
O
acórdão em observação versa sobre a rejeição de recurso de apelação interposto
pela R. após ter visto a sua
faculdade de reclamação do despacho do relator, concretamente números 3 e 4 do
artigo 700 °, ser julgado improcedente. Ora de imediato lançou a mão das
prerrogativas de recurso que lhe é dado no n ° 5 do artigo 700 ° do CPC.
A
nossa reflexão teórica exige a introdução dum esboço, oportunamente,
direcionado a três problemas que merecem um reparo:
1 – A mudança do paradigma dos
recursos
Nos
dias de hoje o sistema é monista, facto que desvia daquilo que até 2007
constituia o paradigma, visto que, no então, o que se considerava objecto de
recurso de apelação era algo diferente daquilo que se considerava ser objecto
de recurso de agravo. Este entendimento é extraído da leitura do anterior
artigo 733 ° que dispunha o seguinte: «o agravo cabe das decisões, susceptíveis
de recurso, de que não pode apelar-se».
Muito
telegraficamente furtarei os dizeres do Professor Rui Pinto segundo os quais, a
apelação conhecia das decisões sobre as questões materiais ao passo que o
agravo em 1ª instância conhecia das decisões sobre as questões processuais.
Em tempos correram rios de tintas para
responder a pergunta sobre qual seria recurso-regra? Muito rapidamente diria
que a regulamentação mais detalhada da tramitação do recurso de apelação
mostra que o legislador o consagrou como modelo típico
dos recursos ordinários.
Mesmo
assim importa repescar dois entendimentos, a começar por Ribeiro Mendes que «sem negar que historicamente, o agravo
esteja ligado a possibilidade de impugnação de decisões interlocutórias e
admitindo igualmente, que a apelação seja para o legislador o modelo típico,
defende que ao nível do âmbito de aplicação dos recursos interpostos de
decisões de primeira instância, se pode manter a afirmação de que o agravo e o
recurso-regra. Contudo com isso não quer dizer que os outros sejam
excepcionais, mas tao só que o âmbito de aplicação da apelação se achava
delimitado positivamente, enquanto o do agravo se descobre
negativamente, por exclusão de partes».
Por seu
turno Luso Soares defendia que a apelação era recurso regra, e acrescentou «Por um lado, não era possível falar,
nas relações entre o agravo e os outros recurso típico, de regra e excepção.
Por outro lado, a autonomia do agravo residiria na especificidade do seu regime
de subida, regulado na lei “por forca de uma necessidade de urgência e de uma
necessidade de avanço na resolução de certas questões”; ele teria sentido como
meio de impugnação de decisões interlocutórias, vistas estas como decisões
instrumentais na formação progressiva da sentença».
Após a reforma de 2007, passou-se para um
sistema monista com as seguintes consequências:
-Supressão
do agravo na primeira instância e a sua consequente supressão na relação.
-Uma
parte significativa do objecto do agravo foi integrada no objecto da relação.
-Passou
a ser formal o critério da integração duma decisão no objecto, consoante o
caracter final ou interlocutório da decisão.
-No
que tange ao recurso, umas decisões passaram a ser recorridas de imediato e
outras só a final, ora pretendemos enfatizar este ponto justamente por
considerar ser a principal alteração introduzido pelo DL nº 303/2007 de 24 de
Agosto.
2 – A questão da inutilidade
absoluta de recurso
Conforme reza alínea m)
do nº 2 do artigo 691 do CPC o legislador abriu a possibilidade de interposição
de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral importasse a absoluta
inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente venha a ser obtida em
sede de recurso.
Surge uma preocupação
minha em delimitar o âmbito da supra referida alínea m), sob pena de se
transformar num saco sem fundo onde pode caber qualquer artifícios perpetrados
pelas partes com o intuito de arrancar a admissibilidade do recurso, uma vez
que as regras de experiencia nos demonstram a infinita pretensão das partes em
recorrer enquanto a decisão lhes afigura desvantajosa.
Esta preocupação parece
sarada se pensarmos da seguinte forma: O termo «Absolutamente Inútil»
exterioriza o grau de exigência imposto pelo legislador no sentido de: não
basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o
risco de inutilização de uma parte do processo, ainda que nesta se inclua a
sentença final. Nessa mesma linha nota ABRANTES GERALDES, o advérbio
“absolutamente” é bastante elucidativo do nível de exigência imposto pelo
legislador. Aliás o próprio Tribunal Constitucional (TC) foi chamado a
pronunciar-se sobre o requisito da absoluta inutilidade, tendo no acórdão
esclarecido as dúvidas sobre a não inconstitucionalidade da exigência legal da
absoluta inutilidade do agravo.
Chegados aqui torna
pertinente questionar, afinal, quando é que um recurso torna-se absolutamente
inútil? Em jeito de resposta socorremos do acórdão de Relação de Lisboa de 10-07-1978 onde consta que o recurso
torna-se absolutamente inútil quando a sua decisão ainda que favorável ao
recorrente, já não lhe pode aproveitar.
Importa, acima de tudo, saber que inutilidade se visa evitar com a
introdução do termo acima referido, parece indiscutível que o que se pretendia evitar era apenas a inutilidade
do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais entretanto praticados,
pelo menos foi esse a solução apontado no acórdão de Relação de Coimbra de 12-01-2010.
O artigo 691º, nº 2, al.
m) do CPC é de difícil preenchimento na medida em que são escassos os casos em que se possa dizer que ocorre tal absoluta
inutilidade se não se admitir a impugnação imediata, pelo que achamos a subida
imediata apenas é admissível quando a
retenção do recurso provocar um resultado irreversível.
3-
Admissibilidade ou não do presente recurso
A única questão que, por ora, se coloca é a de saber se o recurso é ou
não admissível e, consequentemente, se deve ou não esta Relação conhecer já do
seu objecto:
É crucial indicar que normalmente o despacho de 1ª instância que admita o recurso aí interposto
não vincula o Tribunal da Relação (artº 685º-C, nº 5, CPC) pese embora nada
proíbe este Tribunal de reapreciar a questão da admissibilidade ou não do
recurso. Cabe ao relator do processo fazer esta reapreciação segundo os artigos
(art.º 700º, nº 1, al. b), e 704º, nº 1, CPC).
No que toca as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância –
estas podem ser impugnadas no recurso
que venha a ser interposto da decisão final ou do despacho previsto na al. l)
do nº 2 (artº 691º, nº 3, CPC).
Por isso,
entende-se que, sem prejuízo da possibilidade de impugnação com o recurso da
decisão final (artº 691º, nº 3), aquele despacho não é susceptível de recurso
autónomo. A inadmissibilidade do
recurso constitui obstáculo ao conhecimento do objecto do mesmo e justifica que
seja julgado findo [artº 700º, nº 1, als. b) e h).
Parece-me ser
indiscutível que o tribunal de relação agiu bem em rejeitar o recurso uma vez
que não
há duvida que no caso dos autos, não estaria preenchido o requisito de absoluta
inutilidade.
Finalmente convém frisar que o despacho
impugnado não se enquadra em qualquer outra das alíneas do nº 2 do artº 691º do
Cód. Proc. Civil, ora não estando abrangido por nenhuma dessas alíneas não pode
ser objecto do recurso de apelação. No fundo o raciocínio contrário ao do
tribunal não se figuraria correta, pelo que só resta aplaudir a atenção do
tribunal ad quem.
DONE BY: Ricardo Vicente Lima da Costa e Silva.
Sem comentários:
Enviar um comentário