sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A PERTINÊNCIA DO DIREITO ROMANO



O DIREITO ROMANO EM ANÁLISE

O presente trabalho pretende debruçar sobre a questão das fontes de direito na Roma antiga, marcada pelas sucessivas mudanças e particular mecanismo de funcionamento das instituições que, ao cabo e ao resto, influenciaram muitas ordens jurídicas, inclusive a ordem jurídica portuguesa.

Por considerar, e sem margem para dúvida, que o Império romano constitui um berço do Direito, torna-se pertinente assinalar que todas as grandes construções dogmáticas dos nossos dias, em concreto, nas áreas jurídicas, políticas e legislativas tiveram inspiração no direito romano. 

Na verdade se se fizer uma comparação cuidada dos modelos atuais com os da antiga Roma notar-se-á grandes diferenças que se prendem com a evolução da sociedade e com as virtudes e inteligência emocional dos homens, na medida em que a auto-superação, autocorreção e aperfeiçoamento contribuíram grandemente para a reformulação dos modelos. Ainda assim não escaparam as balizas traçadas pelos romanos.

O conteúdo será apresentado tendo em conta o enquadramento temporal da história política de Roma, começando desde a monarquia até ao dominado, com as referidas indicações, em separado, dos aspectos sociais, políticas, legislativas (onde se falará das fontes-objecto do trabalho) e por fim estabelecer um paralelismo de modo a descobrir as similitudes com os institutos jurídicos atuais.

DIREITO ROMANO ANTIGO

1. MONARQUIA Séc.VIII a.C.- II a.C.

Trata-se do período histórico em que Roma foi governada pelos reis, compreendendo uma faixa de aproximadamente 250 anos, segundo os cálculos de VARRÂO, desde a fundação de Roma, em 753 a.C., até o desaparecimento do trono, com Tarquínio, o Soberbo, em 510 a.C.

A organização social era dividida entre os Patrícios, que eram os membros das famílias fundadoras de Roma, ou seja, eram homens livres, descendentes de homens livres, agrupados em clãs/familiares patriarcais, que recebiam o nome de gentes, formavam a classe privilegiada e detentora do poder. Os Clientes, que eram pessoas de origens diversas, viviam a mercê e sobre a protecção de um patrício; E por fim os Plebeus, de origem incerta e livres de qualquer subordinação aos patrícios, pese embora titulares de poucos direitos e muitos deveres, isto é, quando comparados com os patrícios que tinham muitos direitos e poucos deveres.


Na realidade os plebeus, não faziam parte das gentes, estando, no entanto, sob a proteção do Rei. Até o reinado de Sérvio Túlio, os plebeus não faziam parte da organização política de Roma.
Durante a Realeza, o Poder Público em Roma era composto por três elementos: o Rei (rex)o Senado (senatus) e o Povo (populus romanus)este último, como acima mencionado, constituído apenas por patrícios. Enquanto o rei, indicado por seu antecessor ou por um senador, era detentor de um poder absoluto, ou imperiumcom atribuições políticas, militares e religiosas, sendo ao mesmo tempo chefe de governo e de Estado, o Senado era um órgão de assessoria do rei, com função predominantemente consultiva.Era, pois, o Senado detentor da autoritassendo ouvido pelo rei nos grandes negócios do Estado.O povo romano (somente patrícios, inicialmente) reunia-se em assembleias, que recebiam o nome de comícios curiatos, com o objectivo de discutir e votar as propostas de lei, sempre de iniciativa do rei. A unidade de voto recebia a denominação de cúria. A lei, assim votada e aprovada, recebia o nome de leges curiataeNo entanto, com as reformas empreendidas pelo rei Sérvio Túlio, a plebe foi favorecida, quando a riqueza de cada um, e não mais apenas as suas origens, passou a ser base para a distinção entre as pessoas. Com isso, ganhavam o direito de voto os plebeus contribuintes, sendo por estes entendidos aqueles que dispunham de meios para pagar impostos e que agora tinham direito de prestar serviço militar. Estes plebeus contribuintes votavam nos comícios centuriatos, sendo a unidade de voto a centúria. Ao mesmo tempo, adquiriam os plebeus o direito de praticar atividade comercial, o que favorecia, consequentemente, o contacto com outros povos e outras culturas que mais tarde viriam a ser incorporados pelo Império Romano, ao mesmo tempo em que ganhava o povo romano poder econômico, passo fundamental para se alcançar o poder político.


As Fontes de Direito nessa época eram duas:

  • Os Costumes ou jus non scriptum: constituídos por um conjunto de regras que eram aceitas por todos como obrigatórias, sem qualquer proclamação de um poder legislativo estabelecido, cuja autoridade resultava do consenso geral e tácito dos cidadãos. Esta concepção de Costume como fonte de Direito originou a definição actual do costume como prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade.
  • As Leis: As leis tinham menor importância, eram propostas pelo rei ao povo reunido em comícios curiatos ou centuriatos, aceitavam ou rejeitavam a iniciativa do rei. Se aceita, a regra de direito, depois de ratificada pelo Senado, tornava-se obrigatória. Importa frisar ainda que as leis eram caracterizadas por serem particulares e circunstanciais e não gerais, regendo verdadeiros contratos entre patres da cidade. Essas disposições obrigatórias tinham a sua autoridade como resultado do consenso formal dos cidadãos.

2. REPÚBLICA 509 a.C. – 27 a.C.

Abolida a Realeza em Roma, foi implantada a República, advinda de uma revolução chefiada por patrícios e militares, e que se prolongou de 510 ate 27 a.C. Caracterizava-se por ser uma República Aristocrática, onde a administração se subdividia em várias magistraturas.
Nessa época, a organização social manteve-se a mesma da época da monarquia, embora as transformações tenham levado, no final do séc. III a.C., à fundição entre os patrícios e plebeus.
Na vida política, à essa altura, sobressaltavam a vista novas figuras: Com o desaparecimento do rei surgiram os Cônsules, que são dois magistrados patrícios que substituem o rei herdando os direitos e poderes que lhe pertenciam. Ainda assim, os poderes religiosos são atribuídos ao rei sacrorum, ou melhor dizendo, o poder consular, ou dos cônsules, substitui o rei, enquanto detentores do impérium .Encarnavam a suprema magistratura. Estes cônsules eram eleitos em número de dois para um período de um ano, cada um deles governando alternadamente um mês cada. Assim, enquanto um governava, o outro fiscalizava, tendo contra o primeiro o direito de veto, ou intercessioem caso de discordância. No entanto, o grande desenvolvimento da população romana fez com que as funções consulares se repartissem por outras pessoas. Foi assim que surgiram cargos como questores (responsáveis pela administração das finanças), censores (encarregados de promover o recenseamento e de fiscalizar os costumes), pretores (importantes magistrados para o Direito. Estavam encarregados da administração da justiça), edis curis (cuidavam da fiscalização do comércio e do policiamento da cidade), governadores das províncias, ou procônsules (encarregados de distribuir a justiça).
Além dos cônsules, a organização política de Roma na República ainda era composta pelo Senado e pelo povo. O Senado, nesta época, era um órgão consultivo e legislativo composto por 300 patres, nomeados pelos cônsules. Os actos oriundos do Senado eram ossenatusconsultus. o povo (populus romanus)por sua vez, agora era composto por patrícios e plebeus, que reuniam-se em comícios (comícios curiatos, comícios centuriatos e comícios tributos) para votar. A plebe, cuja maior conquista na época foi a criação do tribuno da plebe (magistrados plebeus invioláveis e sagrados, com direito de veto – intercessio – contra decisões a serem tomadas), também se reunia sozinha no concilia plebisonde se votavam os plebe.

As Fontes de Direito aumentaram bastante nesse período: o costume, a lei, plebiscito, interpretação dos prudentes e os editos dos magistrados.
  • Os Costumes: O costume, apesar de conservar extrema importância na sociedade romana, tornava-se, pela incerteza a ele inerente, importante arma de que dispunham os patrícios contra os direitos da plebe.
  • As Leis: A lei, por sua vez, é a segunda fonte de Direito Romano na República. É redigida, apesar de muita resistência por parte dos patrícios e do Senado, a Lei das XII Tábuas, cuja importância é incontestável, sendo considerada pelos próprios romanos como a fonte de todo o direito público e privado. O cunho de romanidade presente em suas disposições garantiu-lhe imediata aceitação por parte de todos, passando a reger as relações jurídicas do povo romano. Mais tarde, numerosas outras leis surgiram também com o intuito de reger as relações dos povos de Roma e dos territórios submetidos, como a leges rogatae e a leges datae
Lei  das XII tábuas: em virtude das exigências da plebe, foi instituída a Lei das XII Tábuas , que se aplicava tanto aos patrícios quanto aos plebeus, e foi considerada a própria fonte do direito público e privado. As tábuas revelam uma legislação rude, primitiva e pouco diferente das civilizações pré-romanas, possuindo um carácter violento e excessivamente formalista no direito civil.

Outras Leis:

A Lex Rogatae era a lei proposta por um magistrado e votada pelo povo;
As Lex Datae eram medidas unilaterais tomadas por um magistrado em nome do povo, sem votação.
Plebiscitos: decisões tomadas pela plebe, por proposta de um tribuno. No início aplicavam-se somente à plebe, depois passaram a ser obrigatórias também aos patrícios. Em outras palavras, o  plebiscito é aquilo que a plebe deliberava por proposta de um magistrado plebeu, aplicando-se, a princípio, unicamente à plebe, adquirindo, a partir da Lei Hortênsia, valor de lei.
Jurisprudência: designava a ciência do direito. Tratava-se de interpretações e adaptações à lei, feitas a princípio pelos Sacerdotes-Pontífices, mas depois também pelos juristas leigos. Não tinha força obrigatória, mas tinha uma autoridade privada, moral, em razão do prestígio de que gozavam os jurisconsultos. Continuando nesta senda importa ainda salientar que os prudentes, ou jurisprudentes, são jurisconsultos encarregados de adaptar os textos legais às mudanças do direito vivo, preenchendo, assim, as lacunas deixadas pelas leis. A interpretação dos prudentes corresponde ao que actualmente chamamos de doutrina, diferindo, portanto, do que actualmente entendemos por jurisprudência (decisões repetidas dos tribunais). Tais pareceres, ou seja, a interpretação dos prudentes, passaram a influir na formação do direito. Ainda quero lembrar as três principais funções dum jurisprudente: 

- Cavere( função de aconselhar aos particulares como deviam realizar o negócio). 


- Agere( função de assistir os particulares no processo, indicando-lhes as formulas a empregar, palavras a usar e consequentemente alertar-lhes para o prazo de apresentação das provas sobre os direitos alegados). 


- Respondere( é a função que se traduzia em dar as respostas ou pareceres a particulares ou a magistrados sobre questões jurídicas).

Editos do Magistrado: era uma fonte de direito muito importante na república. O pretor indicava, no início da magistratura, os casos nos quais usaria o seu impérium (que significava poder soberano de tomar as medidas que lhe pareciam úteis, no limite de sua competência), o que traduziria na forma de o pretor corrigir, complementar e confirmar a lei. O Edito adquiriu uma firmeza de lei, sendo que os novos pretores normalmente mantinham as cláusulas do Edito anterior que lhe parecessem justas e úteis. Numa outra vertente, os editos dos magistrados seriam- conjunto de declarações (edicta) destes, em que expunham aos administrados os projectos que pretendiam desenvolver. Para o Direito Romano, assumem maior relevância os éditos dos pretores, e, em especial, os editos urbanos. O pretor, como magistrado que o era, era detentor do poder de fazer editoscontribuindo assim para o florescimento, em oposição ao jus civile ( formalista e rigoroso), do jus honorarium, mais humano, pois com ele se fazia uso da equidade, instrumento através do qual o pretor adequava a justiça ao caso concreto, abrandando-se a impessoalidade do caso concreto.


3. ALTO IMPÉRIO / PRINCIPADO 27 a.c – 284 d.c

Também conhecido como principado, ou diarquia, é um período de transição entre a República e o Dominato (ou Baixo Império), estendendo-se de 27 a.C. a 284 d.C.

Aqui, o príncipe ou imperador congrega poderes quase ilimitados, sendo o chefe supremo das forças armadas. A sua autoridade é máxima, e o seu poder é partilhado com o Senado. O poder judiciário, portanto, é repartido entre o príncipe e o Senado. As magistraturas, de início, continuavam a funcionar normalmente.

Dado o seu carácter de transição, numerosas são as fontes de direito romano durante esta fase. Somando-se às fontes da República (costumes, leis, editos dos magistrados, senátus-consultos), acrescentam-se as constituições imperiais e as respostas dos jurisconsultos.

O costume ainda nesta época desempenha papel importante enquanto fonte de direito. Quanto às leis, adquirem maior importância as leges dataemedidas tomadas em nome do povo pelo imperador, correspondendo aos nossos atuais regulamentos administrativos. Os Editos dos magistrados perdem muita importância neste período, tendo o novo regime praticamente tirado de fato a independência e o espírito de iniciativa dos pretores, fazendo com que estes aos poucos passassem a apenas reproduzir os editos de seus antecessores. Os senátus-consultos são medidos de ordem legislativa que emanam do Senado. Durante o Alto Império, o senatusconsulto é feito a pedido do príncipe.


As constituições imperiais eram medidas de ordem legislativa promulgadas pelo imperador e elaboradas pelo consilium princepscolégio constituído pelos mais importantes jurisconsultos da época. Gradualmente, esta fonte vai adquirindo maior importância até chegar a constituir a fonte única de direito romano durante o Baixo-império. Ainda como fonte do direito romano no Alto Império, as respostas dos jurisconsultos são as sentenças e opiniões feitas por quem fixa o direito, mas é somente a partir de Adriano que tais respostas passaram a ganhar força de lei. Em havendo divergência entre os pareceres, ao juiz era lícito seguir a opinião que a ele parecesse melhor, o que se aproxima, desta forma, da utilização do instituto que hoje conhecemos como equidade.

Duma forma concisa, as fontes de direito durante esse período são:
  • Os Costumes: conserva-se o importante papel dos costumes na formação do direito.
  • A Lei: até a extinção dos comícios ainda há algumas leges rogatae, depois do séc I d.C. houve apenas algumas leges datae que agora são medidas tomadas pelo imperador.
  • Os Senátus-consultos: eram medidas legislativas emanadas do senado, emitidas por proposta de um cônsul. Com o tempo o senado começa a votar as propostas do imperador sem mesmo discuti-las.
  • As Constituições Imperiais: eram medidas legislativas emanadas do imperador, e que se dividiam entre: Edicta, que eram disposições análogas aos editos dos magistrados; Mandata, que eram instruções aos funcionários; decreta, que eram decisões judiciárias; e Rescripta, que eram respostas sobre questões de direito que lhe eram formuladas.
·      Jurisprudência: depois de Augusto, os jurisconsultos passam a possuir autoridade da lei que eles interpretavam.

4. BAIXO IMPÉRIO – DOMINATO 284 d.c – 565 d.c

O Baixo Império, também conhecido como Dominato, estende-se de 284 d.C. a 565 d.C., e caracteriza-se pelo poder supremo do imperador, que, ao assumir atribuições dos outros órgãos constitucionais, torna-se monarca absoluto, concentrando todos os poderes em suas mãos. Durante este período, o Império Romano encontrava-se subdivido em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente, sendo cada um desses blocos entregue a um imperador.
As constituições imperiais, ou leges,,são a única fonte do direito romano neste período. A maior parte delas tem forma de editos. As codificações, ou compilações, que aqui surgem podem ter caráter oficial ou particular, conforme sejam elaboradas por iniciativa de imperadores ou por iniciativa privada. A importância de Justiniano é tamanha que podemos dividir as compilações existentes neste período como anteriores, posteriores ou da época de Justiniano.
Ocorre, no entanto, que a maior contribuição deste período e, certamente, um dos maiores legados deixados pela civilização romana corresponde ao Corpus Juris Civilis, que contem a seguinte composição:

  • As Institutiones: um manual de direito, que serve de introdução didácticaelementar às outras partes do “Corpus Iuris Civili”;
  • Os Digesta ou as Pandectae – O Digesto, conhecido igualmente pelo nome grego Pandectas, é uma compilação de fragmentos de jurisconsultos clássicos. É a obra mais completa que o Código tem e ofereceu maiores dificuldades na sua elaboração. Digesto vem do latim digerere - pôr em ordem.
  • As Pandectas constituíam uma suma do direito romano, em que inovações úteis se misturavam a decisões clássicas;
  • O Codex, colecção de constituições imperiais;
  • As Novellae, uma série de constituições novas ou Novelas (leges novas), queforam promulgadas depois do Codex e que não chegaram a ser recolhidas numa colecção oficial.

O Corpus júris civilis reúne o direito romano propriamente dito, aliás o direito de Justiniano é uma obra que reúne em um só corpo numerosos textos de lei das épocas anteriores, assim como de sua época também, tendo tido vigência em todo o Império Romano, daí a sua incontestável importância não apenas para a sua época, mas também para as épocas posteriores, pois é o Direito Romano, cujos principais institutos encontram-se condensados no Corpus iuris Civilis, que constitui a gênese a partir da qual brotaram-se os principais institutos jurídicos ocidentais dos tempos atuais.



                       DONE BY: Ricardo Vicente Lima da Costa e Silva.



2 comentários: