Depois de análise que fizemos sobre o conceito da "Guerra Justa", e de sérios debates que travamos em diversos contextos sobre a crise líbia e a intervenção da ONU no seu território, julgamos que chegou a altura necessária para expormos a nossa posição por escrito, tal como outrora havíamos prometido no post anterior.
De facto, a posição que defendemos logo no despontar do turbilhão político que se deu na Líbia, foi sempre de uma via pacífica, realçando o papel nobre do diálogo, como sendo a solução para a resolução do desentendimento que demonstrava nos horizontes atingir proporções imprevisíveis, tal como a realidade mais tarde comprovou, no sentido de Khadafi deixar a sua intransigência política e negociar com os revoltosos, deste modo, atender “o desejo do seu povo” (acepção quase idêntica usada pela Comunidade Internacional, e repetidamente pelas autoridades dos EUA). Algo que não aconteceu de imediato, antes pelo contrário, o que assistimos foram sérias repressões sem precedentes, que culminaram com o massacre de milhares dos líbios, incluindo nesse leque os inocentes, não obstante o significativo esforço e a pressão que a Comunidade Internacional, tem exercido para com o governo, para que este revertesse o quadro da violência bárbara que estava a cometer junto da sua população. Ao que sabemos, todos estes apelos da Comunidade Internacional, foram ignorados por Khadafi, afastando completamente a possibilidade de negociar com os revoltosos, aquém qualificou como “drogados de Osama Bin Laden”.
Esgotando as possibilidades de fazê-lo mudar dos seus intentos maléficos, e perante a alarmante crise humanitária que estava aos olhos de toda a Comunidade Internacional, o Conselho de Segurança da ONU, entendeu que estava em causa uma tremenda violação de Direitos Humanos, e decidiu através da "resolução 1973" intervir com a finalidade última, impor a zona de exclusão aérea no território Líbio, a fim de proteger os civis alvos de bombardeamentos pelas tropas leais ao governo.
Não vamos desde já emitir o juízo do mérito sobre se essa decisão do Conselho de Segurança é ou não é a mais acertada de acordo com o regime jurídico vigente estabelecido na Carta das Nações Unidas. Tão-somente, sabemos por razões várias, que o Conselho de Segurança, entendeu que esgotou todos os recursos que estavam ao seu alcance para travar Khadafi de massacrar os civis (algumas pessoas objectam dessa interpretação, considerando que havia ainda outros caminhos passivos para fazê-lo mudar de ideia, e perguntamos: que outros caminhos? Será porventura o diálogo? E as negociações que foram feitas, que no entanto se revelaram todos infrutíferos? Os inocentes que estavam a ser mortos indiscriminadamente? Até quando é que se poderia estender o período da negociação perante milhares dos civis a serem atacados?), e decidiu quase por unanimidade avançar com o último recurso da sua instituição, que é o uso da força, invocando a crise humanitária como sendo o motivo para tal decisão, que algumas pessoas apelidam como a “Guerra Justa ou Legítima”.
Tal como já tivemos a oportunidade de manifestar aqui publicamente, discordamos na íntegra com esse conceito, não obstante a teimosia de Khadafi em não aceitar as reivindicações do seu povo. No nosso entendimento, achamos que outros caminhos, poderiam ainda ser explorados, tais como por exemplo: a Mediação e a Conciliação. Ali consiste no “terceiro Estado entrar nas negociações e pode chegar a formular ou a propor uma solução para ultrapassagem do conflito”. Aqui, tem a ver, com “a criação de uma comissão (independente) que examina a questão e propõe uma solução”. Agora, de uma coisa temos a plena certeza: o autor e responsável número um de toda essa desgraça que está a assolar o povo líbio, é o próprio Muammar Khadafi. Julgamos isso, porque independentemente das aspirações dos revoltosos serem indignas como ele considerou, todavia, na qualidade do chefe supremo da nação, não podia ter aquela postura cruel que teve para com o seu povo logo no início das manifestações: de dar ordens para matar todos os seus opositores, isso é algo inaceitável e viola flagrantemente a dignidade da Pessoa Humana e o Direito Internacional Público na sua vertente de "Jus Cogens”.
E mais: acresce ainda o facto de Khadafi estar no poder há mais de quatro (4) décadas, o que lhe tira em princípio qualquer tipo de razão a tentativa de se manter nele. Sabendo ele de antemão da persistência dos revoltosos de fazer valer a todo custo às suas revindicações, e implicações que estes tipos de revoltas tiveram noutros países, particularmente nos países circunvizinhos da Líbia (estamos a referir concretamente a Tunísia e o Egipto), que levou sobretudo o derrube dos seus respectivos regimes, ele podia ser mais prudente em nome do bem-estar do seu povo e renunciar o cargo de Presidente da República, deste modo, poupava a vida de muita gente e da sua própria reputação para com os líbios. Ou igualmente, ir ao encontro das exigências dos revoltosos, no sentido de abrir o caminho para uma democracia participativa e com isso, certamente ganharia enorme simpatia do povo. E essa boa acção, poderia condicionar significativamente a sua permanência no poder por algum tempo ainda. Porém, como é um líder autoritário com a ganância do poder, aliás como quase todos os líderes africanos, quer fazer tudo que estiver ao seu alcance para se perpetuar nele.
Por isso, assusta-nos imenso, quando vemos algumas pessoas, sobretudo leques dos intelectuais africanos a defenderem convictamente Khadafi ao ponto de considerar que a intervenção do Conselho de Segurança da ONU é ilegal, por desrespeitar os requisitos normativos do Direito Internacional, argumentando que tudo isso, não passa de um mero jogo de interesses dos países influentes com assento permanente no Conselho de Segurança, que apenas estão imbuídos pelo petróleo líbio (admitimos que essa suspeição pode até corresponder à verdade, todavia, achamos que é inoportuno invocá-lo de momento, devido ao estado crítico em que as coisas se encontravam na Líbia, porque apesar das motivações dos países que estão a conduzir no terreno a concretização da resolução do Conselho de Segurança serem erradas, isso em última instância, acaba por ir ao encontro da aspiração do povo líbio).
Nós próprios, reconhecemos que a própria actuação dos países pioneiros (França, EUA, Itália, Inglaterra e a NATO) deixa muito a desejar na sua conduta. Basta lembrarmos concretamente do recente e triste episódio em que as autoridades Italianas, da Malta e da Nato, deixaram morrer no mar dezenas de refugiados africanos, a maioria deles refugiados líbios em estado inofensivo, que estavam simplesmente a tentar entrar clandestinamente na Europa, na procura de melhores condições de vida. É mesmo de lamentar, a atitude destes países, que por sua vez ilustra a tamanha incongruência e hipocrisia que se passa nas Relações Internacionais.
Apesar de todas essas incongruências e maldades cometidas contra os africanos pelas potências europeias ((isso não vem só de agora, já vem desde há séculos atrás. Basta recordarmos a vergonhosa história do “Comércio Triangular” ou Trafico Negreiro” e a Conferência de Berlim (a divisão arbitrária do continente africano), onde a África foi exposto ao opróbrio, com sérias consequências negativas que ainda hoje se faz sentir no continente, nomeadamente a guerra e a pobreza)), no entanto, é preciso ter uma visão holística dos factos e saber dissocia-las, sem se deixar levar por sentimentos/pensamentos desequilibrados e radicais que não ajuda em nada na resolução dos problemas. E o que temos constatado, é que a maioria dos africanos, quer os intelectuais como não intelectuais, têm imensas dificuldades em saber discernir correctamente os desafios e o cerne dos reais problemas que afectam a África e como combatê-los.
Os defensores de Khadafi, lançam vários argumentos como defesa para defendê-lo na sua intransigência política de não voltar atrás na resistência. Entre os principais argumentos esgrimidos por eles, destacam-se os seguintes: em primeiro lugar, alegam que a maioria do povo líbio apoia incondicionalmente Khadafi - daí a sua legitimidade para continuar no poder; em segundo lugar, advogam que as manifestações dos revoltosos não passam de um conluio das potências do mundo ocidental para derrubar o regime de Khadafi; e em terceiro lugar, salientam que a intervenção do Conselho de Segurança da ONU viola o princípio da não “Ingerência nos Assuntos Internos dos Estados”; em quarto lugar, vão ao ponto de considerar que os problemas africanos devem ser resolvidos única e exclusivamente pelos africanos, não pelos europeus ou EUA e por fim, em quinto lugar, invocam a parcialidade na tomada de decisão dentro do Conselho de Segurança, especificando o caso líbio como exemplo, com a justificão que tudo isso, não passa de interesses petrolíferos, e que já houve outros conflitos que no qual o Conselho de Segurança não tomou qualquer tipo de posição.
Para nós, os dois primeiros argumentos, não têm cabimento, pelo que nem sequer perderemos o nosso tempo a comentá-los. Quanto aos três últimos argumentos, vejamos: a começar pelo terceiro, não se pode invocar o princípio da “Não Ingerência nos Assuntos Internos dos Estados”, quando se trata das matérias do capítulo VII da Carta da Nações Unidas, nomeadamente os artigos 39.º a 51.º. E a actuação do Conselho de Segurança na Líbia, afigura-se completamente com o ratio destes artigos, pelo que é improcedente invocar este terceiro argumento;
Em quarto lugar, o argumento de que os problemas africanos devem ser resolvidos única e exclusivamente pelos próprios africanos, não pelos europeus ou EUA, de facto, concordamos na íntegra com essa afirmação. O ideal, deveria ser assim, mas acontece que a realidade prática nos tem demonstrado o inverso, em outras palavras, os países africanos, têm revelado a imaturidade e a incapacidade de gerirem propriamente os seus problemas. Ora, um continente/pais que não sabe assumir claramente o seu papel na resolução dos seus conflitos, não se pode admirar, de ver um estranho a assumir esse protagonismo. A título de exemplo, para reforçar ainda esse nosso entendimento: quantos problemas e conflitos que temos actualmente em África? Como é que são resolvidos? Que influência ou papel de relevância a Organização da Unidade Africana (UA) tem exercido, perante tais conflitos para colmatá-los? Será que estamos em condições necessárias para solucionar os nossos problemas sozinhos, sem no entanto precisar de qualquer tipo de ajuda estrangeira? A resposta não podia ser mais do que negativa, por razões várias que não importam agora mencionar aqui. Mais, estamos plenamente cientes, da incapacidade e falta do bom senso que existe nos nossos líderes africanos na forma de conduzir e resolver os problemas que afectam directamente e indirectamente África. Com muita tristeza no coração, atrevemo-nos mesmo a dizer que a África é um continente "inabilitado" para reger a si própria.
É de salientar, que os ideais, traçados pelos pan africanistas na fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), conhecida hoje como Unidade Africana (UA), foi posta em causa. E o papel nobre que ela devia exercer perante os grandes desafios que se colocam, o continente e os países africanos, acabaram por ser quase uma autêntica nulidade e a pouca capacidade de influência, limitando-se a conformar com poucas conquistas, razão pela qual, algumas pessoas se têm insurgido contra a sua extinção (não subscrevemos essa tese, por considerarmos que é uma posição extremamente radical, que não se contribua igualmente na minimização dos problemas do continente. Apesar de pouca influência desta Organização, faz todo sentido a sua existência. Temos fé de que um dia a nova geração, vai ergue-la e fazê-la cumprir plenamente o seu papel, que para a qual foi criada, a Unidade entre os países africanos, o Desenvolvimento e o Bem-estar de todos os africanos).
E por fim, invocar a parcialidade dentro do Conselho de Segurança na tomada de decisão, igualmente, não é pertinente invocar no caso líbio, porque o sistema foi construído assim há bastantes anos, sobretudo quando se trata de matérias “não processuais”, tal como a situação da Líbia, dando a total supremacia de voto aos países com assento permanente dentro do Conselho de Segurança que são: EUA, China, Rússia, França e Inglaterra (artigo 23.º da Carta das Nações Unidas), podendo inviabilizar qualquer tipo de decisão que se prende com este tipo de matérias ("as não processuais") com apenas um simples veto de um dos países (um exemplo claro disso, é o caso da Síria em que a muitos dos países, apelaram a intervenção do Conselho de Segurança, no entanto, a China e a Rússia opõem essa intervenção, inviabilizando completamente a decisão de actuação desse conselho.
É claro, que não estamos plenamente de acordo com esse modelo de funcionamento no Conselho de Segurança, aproveitando a onda e os apelos dos Jus Internacionalistas - o Conselho Permanente das Nações Unidas, para as coisas funcionarem da melhor forma possível e com certo tipo de equilíbrio em relação a representação dos continentes, poderiam acrescentar mais a entrada de dois países nos Membros Permanentes, nomeadamente, um país africano, que pode ser perfeitamente a África de Sul ou a Nigéria. Um destes países seguramente representava muito bem o continente africano, que nunca teve nenhuma representação no Conselho Permanente. Tudo isso, só prova a falta do protagonismo e credibilidade da África no plano Internacional, independentemente das razões históricas da criação da ONU. E também, a integração do Brasil, Índia, Nova Zelândia e a Alemanha. Subscrevemos na íntegra essa tese dos Internacionalistas, principalmente no que toca à entrada de um país africano e da Oceânia para equilibrar a balança. Contudo, achamos que essas questões, e mais as parcialidades nas decisões do Conselho de Segurança, têm o seu fórum próprio para serem debatidas, não no caso específico da Líbia para ser trazida à colação.
E mais: julgamos, que não houve qualquer tipo de parcialidade na "resolução 1973" sobre a Líbia, porque se houvesse, a China e a Rússia certamente teriam vetado a dita resolução. Apesar de estes países não votarem a favor, a abstenção deles, deve ser considerada como sendo um voto a favor, porque abriu o caminho para a intervenção do Conselho de Segurança, caso contrário as coisas teriam outros contornos políticos bem mais diferentes do que estamos a presenciar agora (a maioria dos nossos colegas, objectam deste nosso entendimento, limitando-se a fazer uma interpretação meramente literal do termo).
Quanto ao argumento do interesse, do mundo ocidental no petróleo Líbio, invocados pelos apoiantes de Khadafi, tal como sugerimos supra, admitimos que possa haver esse interesse económico dos países que estão a efectivar no terreno a resolução do Conselho de Segurança. Não é novidade para ninguém, do oportunismo político que revestem estes grandes países, face aos países fracos, procurando somente satisfazer os seus próprios interesses económicos sem se importar com o âmago dos problemas dos países fracos), todavia, julgamos que esse argumento não é relevante do ponto de vista objectivo dos factos, para ser invocado, visto que o interesse e o oportunismo político estão sempre subjacentes nas relações internacionais entre os países (não deveria ser assim, é completamente a inversão dos valores). O essencial, é cada país saber lidar com estas espertezas dos grandes países; e pelos vistos, Khadafi revelou a imaturidade e impreparação em lidar com esses jogos sujos, bem como de defender o seu próprio povo, dando razão para a Comunidade Internacional atacá-lo (erradamente, os que afirmam que a guerra é com EUA, Inglaterra, França e a Organização da Nato. A guerra é do Conselho de Segurança das Nações Unidas, simplesmente está a ser efectivado por estes países, de acordo com a disposição da Carta da Nações Unidas no seu artigo 25.º,41.º e 42.º.
O argumento da passividade do Conselho de Segurança noutros conflitos, sem no entanto manifestar claramente a sua posição de intervir, importa dizer, que o Conselho de Segurança não actua em qualquer tipo de conflito, depende da projecção do mesmo na escala internacional. A Carta das Nações Unidas, só o habilita ao emprego da força (que não é o caso específico da Líbia em termos rigorosos) “em caso de ameaça à Paz, ruptura da paz e acto de agressão”. Ou seja, em última instância, quando se trata da ameaça à Paz e a Estabilidade Mundial (artigo 39.º da Carta das Nações Unidas). Todavia, a Carta ainda consente a actuação do Conselho de Segurança, igualmente, quando se trata das graves questões humanitárias, pelo que em bom rigor a intervenção que está a ser feita na Líbia (insistimos), não é propriamente uma intervenção armada, mas sim, o controlar as forças de khadafi para esta não continuar a massacrar os civis. E como expressamente diz a "resolução 1973" - autoriza os Estados Membros da ONU "a tomar todas as medidas necessárias, sem prejuízo do disposto no 9 da Resolução 1970 de 2011, para proteger os civis áreas civis densamente povoadas sob ameaça de ataque na Líbia, incluindo Benghazi, ao mesmo tempo em que exclui uma ocupação estrangeira sob qualquer forma, em qualquer parte do território da Líbia”. É claro, que essa actuação em última instância, obriga a intervenção militar no caso de haver a resistência a resolução, para assim esta poder ser aplicada na íntegra.
Em relação à passividade do Conselho de Segurança noutros conflitos, concordamos plenamente com esse argumento, tendo em conta a postura e o interesse económico que vigora no Conselho de Segurança perante os países que dele fazem parte. Temos dados suficientes para afirmar isso, na medida que já houve grandes negligências cometidas, por parte deste Organismo nos vários conflitos, nomeadamente em África onde estava em causa a tremenda violação dos Direitos Humanos, que a Carta obriga mesmo a intervenção, que no entanto, o Conselho de Segurança nada fez. É preciso também, admitir que há uma séria de confusão em relação ao conceito da intervenção do Conselho de Segurança. A intervenção, não tem que ser necessariamente uma intervenção militar, como muitos pensam, mas também pode ser uma simples intervenção humanitária, a intermediação do conflito e aplicações de sanções ao país infractor do Direito Internacional etc.
Por conseguinte, admitimos que há algumas parcialidades noutras decisões no Conselho Segurança, todavia, excluímos por completo aqui a parcialidade invocada no caso da Líbia. As razões para esse nosso entendimento, prende-se como facto dos países africanos actualmente representados no Conselho de Segurança quês são: África do Sul, Gabão e Nigéria e o Líbano, que é um país da Liga Árabe - todos eles votaram a favor da "resolução 1973", isto é, dando a oval ao Conselho de Segurança a intervir na Líbia. Logo, o argumento da parcialidade no caso líbio, é improcedente por demonstrar ineficiência e fundamentação.
Perante os argumentos expostos, continuamos a entender que Khadafi foi bastante cruel para com o seu povo por razões já supra mencionados. Vamos admitir o cenário oposto da tese que acabámos de defender, e identificar plenamente com os argumentos dos apoiantes de Khadafi: mesmo que ele tivesse toda a razão do mundo perante os revoltosos, isto não lhe conferia nenhuma legitimidade para massacrar o seu povo. Como todos sabemos, Khadafi já está no poder há mais de quatro (4) décadas, o que lhe retira em princípio qualquer tipo de razão a tentativa de agarrar nele, por mais que as reivindicações dos revoltosos possam ser ilegítimas. Afirmamos isso, baseando-nos no facto do que ele não é o único líbio habilitado para governar o país, visto que a Líbia não é dele, nem sequer dos seus familiares, mas sim de todos. E se os líbios, querem mudar do rumo quanto ao modelo da governação, têm toda a legitimidade e liberdade para fazê-lo, é “o princípio da auto-determinação dos povos” independentemente de a mudança ser boa ou má, não cabe ao Khadafi fazer esse juízo, ou de tentar impor a sua vontade na orientação do destino da Líbia. Se os revoltosos querem de facto usurpar o poder como ele alegou, perguntamos: como é que Khadafi chegou ao poder? É por vias democráticas ou através de golpe de Estado/militar? Se ele usou a força para chegar ao poder, porque é que os outros não podem fazer o mesmo com ele?
Acresce ainda, o facto de nós consideramos que a situação da Líbia, não se pode fundamentar única e exclusivamente no critério da razão, para apoiar qualquer que seja, nem os revoltosos nem tão pouco Khadafi, porque é um problema extremamente complicado, que envolve perda de milhares de vidas humanas, que não se justifica somente na razão dos factos. A vida de nenhum ser humano, por mais imperfeito que possa ser, nenhuma razão pode intentar contra ela. É um valor que transcende qualquer tipo de justificação. Partindo deste entendimento, facto que nos leva a atribuir a total responsabilidade e culpa no Kadafi, por ter feito morrer milhares dos inocentes, por causa da sua sede de poder.
Importa esclarecer, que o objectivo do nosso artigo, não é de modo nenhum defender a guerra na Líbia, nem tão pouco concordar com as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou de considerar que a "Resolução 1973" é a mais adequada na solução do conflito líbio, longe de nós isso. O intuito do artigo, é tão simplesmente demonstrar a legalidade na decisão da intervenção do Conselho de Segurança, não obstante da nossa oposição a essa opção, por considerarmos que nunca devemos pagar o mal por mal, na medida que a guerra nunca resolve os problemas, antes pelo contrário agrava ainda a situação (o nosso artigo sobre “Uma Guerra Poderá ser Considerada Justa?”). Lamentamos profundamente as perdas humanas que houve em ambos os lados, e aproveitamos desde já para demonstrar a nossa indignação com tudo que se passou na Líbia, e fazendo votos que almas destas pessoas descansem em Paz.
Considerando tudo o que foi dito e reforçando ainda a nossa convicção, jamais apoiaríamos Khadafi na sua resistência e intransigência, nem tão pouco pactuar com os argumentos baratos dos seus apoiantes, razão pela qual a nossa posição tem merecido reparos e duras críticas, vindos por parte de muitos africanos por considerarem que não somos verdadeiros defensores da causa africana. Não aceitamos de modo nenhum estas críticas, por entendermos que são completamente injustas e não correspondem minimamente à verdade. Defender a causa africana, não tem nada a ver com ocultar a verdade dos factos ou de procurar ser irrealista na análise e juízo das coisas, só porque somos africanos. Defender África é muito mais que isso. Mesmo que um dia esse valor de “dever ser” for invertido, por astúcia e artimanha dos homens, jamais chegaremos a aceitá-lo, “porque nada podemos contra a verdade senão em favor da própria verdade”. (Apóstolo Paulo, 2 Coríntios 13:8).
De facto, a posição que defendemos logo no despontar do turbilhão político que se deu na Líbia, foi sempre de uma via pacífica, realçando o papel nobre do diálogo, como sendo a solução para a resolução do desentendimento que demonstrava nos horizontes atingir proporções imprevisíveis, tal como a realidade mais tarde comprovou, no sentido de Khadafi deixar a sua intransigência política e negociar com os revoltosos, deste modo, atender “o desejo do seu povo” (acepção quase idêntica usada pela Comunidade Internacional, e repetidamente pelas autoridades dos EUA). Algo que não aconteceu de imediato, antes pelo contrário, o que assistimos foram sérias repressões sem precedentes, que culminaram com o massacre de milhares dos líbios, incluindo nesse leque os inocentes, não obstante o significativo esforço e a pressão que a Comunidade Internacional, tem exercido para com o governo, para que este revertesse o quadro da violência bárbara que estava a cometer junto da sua população. Ao que sabemos, todos estes apelos da Comunidade Internacional, foram ignorados por Khadafi, afastando completamente a possibilidade de negociar com os revoltosos, aquém qualificou como “drogados de Osama Bin Laden”.
Esgotando as possibilidades de fazê-lo mudar dos seus intentos maléficos, e perante a alarmante crise humanitária que estava aos olhos de toda a Comunidade Internacional, o Conselho de Segurança da ONU, entendeu que estava em causa uma tremenda violação de Direitos Humanos, e decidiu através da "resolução 1973" intervir com a finalidade última, impor a zona de exclusão aérea no território Líbio, a fim de proteger os civis alvos de bombardeamentos pelas tropas leais ao governo.
Não vamos desde já emitir o juízo do mérito sobre se essa decisão do Conselho de Segurança é ou não é a mais acertada de acordo com o regime jurídico vigente estabelecido na Carta das Nações Unidas. Tão-somente, sabemos por razões várias, que o Conselho de Segurança, entendeu que esgotou todos os recursos que estavam ao seu alcance para travar Khadafi de massacrar os civis (algumas pessoas objectam dessa interpretação, considerando que havia ainda outros caminhos passivos para fazê-lo mudar de ideia, e perguntamos: que outros caminhos? Será porventura o diálogo? E as negociações que foram feitas, que no entanto se revelaram todos infrutíferos? Os inocentes que estavam a ser mortos indiscriminadamente? Até quando é que se poderia estender o período da negociação perante milhares dos civis a serem atacados?), e decidiu quase por unanimidade avançar com o último recurso da sua instituição, que é o uso da força, invocando a crise humanitária como sendo o motivo para tal decisão, que algumas pessoas apelidam como a “Guerra Justa ou Legítima”.
Tal como já tivemos a oportunidade de manifestar aqui publicamente, discordamos na íntegra com esse conceito, não obstante a teimosia de Khadafi em não aceitar as reivindicações do seu povo. No nosso entendimento, achamos que outros caminhos, poderiam ainda ser explorados, tais como por exemplo: a Mediação e a Conciliação. Ali consiste no “terceiro Estado entrar nas negociações e pode chegar a formular ou a propor uma solução para ultrapassagem do conflito”. Aqui, tem a ver, com “a criação de uma comissão (independente) que examina a questão e propõe uma solução”. Agora, de uma coisa temos a plena certeza: o autor e responsável número um de toda essa desgraça que está a assolar o povo líbio, é o próprio Muammar Khadafi. Julgamos isso, porque independentemente das aspirações dos revoltosos serem indignas como ele considerou, todavia, na qualidade do chefe supremo da nação, não podia ter aquela postura cruel que teve para com o seu povo logo no início das manifestações: de dar ordens para matar todos os seus opositores, isso é algo inaceitável e viola flagrantemente a dignidade da Pessoa Humana e o Direito Internacional Público na sua vertente de "Jus Cogens”.
E mais: acresce ainda o facto de Khadafi estar no poder há mais de quatro (4) décadas, o que lhe tira em princípio qualquer tipo de razão a tentativa de se manter nele. Sabendo ele de antemão da persistência dos revoltosos de fazer valer a todo custo às suas revindicações, e implicações que estes tipos de revoltas tiveram noutros países, particularmente nos países circunvizinhos da Líbia (estamos a referir concretamente a Tunísia e o Egipto), que levou sobretudo o derrube dos seus respectivos regimes, ele podia ser mais prudente em nome do bem-estar do seu povo e renunciar o cargo de Presidente da República, deste modo, poupava a vida de muita gente e da sua própria reputação para com os líbios. Ou igualmente, ir ao encontro das exigências dos revoltosos, no sentido de abrir o caminho para uma democracia participativa e com isso, certamente ganharia enorme simpatia do povo. E essa boa acção, poderia condicionar significativamente a sua permanência no poder por algum tempo ainda. Porém, como é um líder autoritário com a ganância do poder, aliás como quase todos os líderes africanos, quer fazer tudo que estiver ao seu alcance para se perpetuar nele.
Por isso, assusta-nos imenso, quando vemos algumas pessoas, sobretudo leques dos intelectuais africanos a defenderem convictamente Khadafi ao ponto de considerar que a intervenção do Conselho de Segurança da ONU é ilegal, por desrespeitar os requisitos normativos do Direito Internacional, argumentando que tudo isso, não passa de um mero jogo de interesses dos países influentes com assento permanente no Conselho de Segurança, que apenas estão imbuídos pelo petróleo líbio (admitimos que essa suspeição pode até corresponder à verdade, todavia, achamos que é inoportuno invocá-lo de momento, devido ao estado crítico em que as coisas se encontravam na Líbia, porque apesar das motivações dos países que estão a conduzir no terreno a concretização da resolução do Conselho de Segurança serem erradas, isso em última instância, acaba por ir ao encontro da aspiração do povo líbio).
Nós próprios, reconhecemos que a própria actuação dos países pioneiros (França, EUA, Itália, Inglaterra e a NATO) deixa muito a desejar na sua conduta. Basta lembrarmos concretamente do recente e triste episódio em que as autoridades Italianas, da Malta e da Nato, deixaram morrer no mar dezenas de refugiados africanos, a maioria deles refugiados líbios em estado inofensivo, que estavam simplesmente a tentar entrar clandestinamente na Europa, na procura de melhores condições de vida. É mesmo de lamentar, a atitude destes países, que por sua vez ilustra a tamanha incongruência e hipocrisia que se passa nas Relações Internacionais.
Apesar de todas essas incongruências e maldades cometidas contra os africanos pelas potências europeias ((isso não vem só de agora, já vem desde há séculos atrás. Basta recordarmos a vergonhosa história do “Comércio Triangular” ou Trafico Negreiro” e a Conferência de Berlim (a divisão arbitrária do continente africano), onde a África foi exposto ao opróbrio, com sérias consequências negativas que ainda hoje se faz sentir no continente, nomeadamente a guerra e a pobreza)), no entanto, é preciso ter uma visão holística dos factos e saber dissocia-las, sem se deixar levar por sentimentos/pensamentos desequilibrados e radicais que não ajuda em nada na resolução dos problemas. E o que temos constatado, é que a maioria dos africanos, quer os intelectuais como não intelectuais, têm imensas dificuldades em saber discernir correctamente os desafios e o cerne dos reais problemas que afectam a África e como combatê-los.
Os defensores de Khadafi, lançam vários argumentos como defesa para defendê-lo na sua intransigência política de não voltar atrás na resistência. Entre os principais argumentos esgrimidos por eles, destacam-se os seguintes: em primeiro lugar, alegam que a maioria do povo líbio apoia incondicionalmente Khadafi - daí a sua legitimidade para continuar no poder; em segundo lugar, advogam que as manifestações dos revoltosos não passam de um conluio das potências do mundo ocidental para derrubar o regime de Khadafi; e em terceiro lugar, salientam que a intervenção do Conselho de Segurança da ONU viola o princípio da não “Ingerência nos Assuntos Internos dos Estados”; em quarto lugar, vão ao ponto de considerar que os problemas africanos devem ser resolvidos única e exclusivamente pelos africanos, não pelos europeus ou EUA e por fim, em quinto lugar, invocam a parcialidade na tomada de decisão dentro do Conselho de Segurança, especificando o caso líbio como exemplo, com a justificão que tudo isso, não passa de interesses petrolíferos, e que já houve outros conflitos que no qual o Conselho de Segurança não tomou qualquer tipo de posição.
Para nós, os dois primeiros argumentos, não têm cabimento, pelo que nem sequer perderemos o nosso tempo a comentá-los. Quanto aos três últimos argumentos, vejamos: a começar pelo terceiro, não se pode invocar o princípio da “Não Ingerência nos Assuntos Internos dos Estados”, quando se trata das matérias do capítulo VII da Carta da Nações Unidas, nomeadamente os artigos 39.º a 51.º. E a actuação do Conselho de Segurança na Líbia, afigura-se completamente com o ratio destes artigos, pelo que é improcedente invocar este terceiro argumento;
Em quarto lugar, o argumento de que os problemas africanos devem ser resolvidos única e exclusivamente pelos próprios africanos, não pelos europeus ou EUA, de facto, concordamos na íntegra com essa afirmação. O ideal, deveria ser assim, mas acontece que a realidade prática nos tem demonstrado o inverso, em outras palavras, os países africanos, têm revelado a imaturidade e a incapacidade de gerirem propriamente os seus problemas. Ora, um continente/pais que não sabe assumir claramente o seu papel na resolução dos seus conflitos, não se pode admirar, de ver um estranho a assumir esse protagonismo. A título de exemplo, para reforçar ainda esse nosso entendimento: quantos problemas e conflitos que temos actualmente em África? Como é que são resolvidos? Que influência ou papel de relevância a Organização da Unidade Africana (UA) tem exercido, perante tais conflitos para colmatá-los? Será que estamos em condições necessárias para solucionar os nossos problemas sozinhos, sem no entanto precisar de qualquer tipo de ajuda estrangeira? A resposta não podia ser mais do que negativa, por razões várias que não importam agora mencionar aqui. Mais, estamos plenamente cientes, da incapacidade e falta do bom senso que existe nos nossos líderes africanos na forma de conduzir e resolver os problemas que afectam directamente e indirectamente África. Com muita tristeza no coração, atrevemo-nos mesmo a dizer que a África é um continente "inabilitado" para reger a si própria.
É de salientar, que os ideais, traçados pelos pan africanistas na fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), conhecida hoje como Unidade Africana (UA), foi posta em causa. E o papel nobre que ela devia exercer perante os grandes desafios que se colocam, o continente e os países africanos, acabaram por ser quase uma autêntica nulidade e a pouca capacidade de influência, limitando-se a conformar com poucas conquistas, razão pela qual, algumas pessoas se têm insurgido contra a sua extinção (não subscrevemos essa tese, por considerarmos que é uma posição extremamente radical, que não se contribua igualmente na minimização dos problemas do continente. Apesar de pouca influência desta Organização, faz todo sentido a sua existência. Temos fé de que um dia a nova geração, vai ergue-la e fazê-la cumprir plenamente o seu papel, que para a qual foi criada, a Unidade entre os países africanos, o Desenvolvimento e o Bem-estar de todos os africanos).
E por fim, invocar a parcialidade dentro do Conselho de Segurança na tomada de decisão, igualmente, não é pertinente invocar no caso líbio, porque o sistema foi construído assim há bastantes anos, sobretudo quando se trata de matérias “não processuais”, tal como a situação da Líbia, dando a total supremacia de voto aos países com assento permanente dentro do Conselho de Segurança que são: EUA, China, Rússia, França e Inglaterra (artigo 23.º da Carta das Nações Unidas), podendo inviabilizar qualquer tipo de decisão que se prende com este tipo de matérias ("as não processuais") com apenas um simples veto de um dos países (um exemplo claro disso, é o caso da Síria em que a muitos dos países, apelaram a intervenção do Conselho de Segurança, no entanto, a China e a Rússia opõem essa intervenção, inviabilizando completamente a decisão de actuação desse conselho.
É claro, que não estamos plenamente de acordo com esse modelo de funcionamento no Conselho de Segurança, aproveitando a onda e os apelos dos Jus Internacionalistas - o Conselho Permanente das Nações Unidas, para as coisas funcionarem da melhor forma possível e com certo tipo de equilíbrio em relação a representação dos continentes, poderiam acrescentar mais a entrada de dois países nos Membros Permanentes, nomeadamente, um país africano, que pode ser perfeitamente a África de Sul ou a Nigéria. Um destes países seguramente representava muito bem o continente africano, que nunca teve nenhuma representação no Conselho Permanente. Tudo isso, só prova a falta do protagonismo e credibilidade da África no plano Internacional, independentemente das razões históricas da criação da ONU. E também, a integração do Brasil, Índia, Nova Zelândia e a Alemanha. Subscrevemos na íntegra essa tese dos Internacionalistas, principalmente no que toca à entrada de um país africano e da Oceânia para equilibrar a balança. Contudo, achamos que essas questões, e mais as parcialidades nas decisões do Conselho de Segurança, têm o seu fórum próprio para serem debatidas, não no caso específico da Líbia para ser trazida à colação.
E mais: julgamos, que não houve qualquer tipo de parcialidade na "resolução 1973" sobre a Líbia, porque se houvesse, a China e a Rússia certamente teriam vetado a dita resolução. Apesar de estes países não votarem a favor, a abstenção deles, deve ser considerada como sendo um voto a favor, porque abriu o caminho para a intervenção do Conselho de Segurança, caso contrário as coisas teriam outros contornos políticos bem mais diferentes do que estamos a presenciar agora (a maioria dos nossos colegas, objectam deste nosso entendimento, limitando-se a fazer uma interpretação meramente literal do termo).
Quanto ao argumento do interesse, do mundo ocidental no petróleo Líbio, invocados pelos apoiantes de Khadafi, tal como sugerimos supra, admitimos que possa haver esse interesse económico dos países que estão a efectivar no terreno a resolução do Conselho de Segurança. Não é novidade para ninguém, do oportunismo político que revestem estes grandes países, face aos países fracos, procurando somente satisfazer os seus próprios interesses económicos sem se importar com o âmago dos problemas dos países fracos), todavia, julgamos que esse argumento não é relevante do ponto de vista objectivo dos factos, para ser invocado, visto que o interesse e o oportunismo político estão sempre subjacentes nas relações internacionais entre os países (não deveria ser assim, é completamente a inversão dos valores). O essencial, é cada país saber lidar com estas espertezas dos grandes países; e pelos vistos, Khadafi revelou a imaturidade e impreparação em lidar com esses jogos sujos, bem como de defender o seu próprio povo, dando razão para a Comunidade Internacional atacá-lo (erradamente, os que afirmam que a guerra é com EUA, Inglaterra, França e a Organização da Nato. A guerra é do Conselho de Segurança das Nações Unidas, simplesmente está a ser efectivado por estes países, de acordo com a disposição da Carta da Nações Unidas no seu artigo 25.º,41.º e 42.º.
O argumento da passividade do Conselho de Segurança noutros conflitos, sem no entanto manifestar claramente a sua posição de intervir, importa dizer, que o Conselho de Segurança não actua em qualquer tipo de conflito, depende da projecção do mesmo na escala internacional. A Carta das Nações Unidas, só o habilita ao emprego da força (que não é o caso específico da Líbia em termos rigorosos) “em caso de ameaça à Paz, ruptura da paz e acto de agressão”. Ou seja, em última instância, quando se trata da ameaça à Paz e a Estabilidade Mundial (artigo 39.º da Carta das Nações Unidas). Todavia, a Carta ainda consente a actuação do Conselho de Segurança, igualmente, quando se trata das graves questões humanitárias, pelo que em bom rigor a intervenção que está a ser feita na Líbia (insistimos), não é propriamente uma intervenção armada, mas sim, o controlar as forças de khadafi para esta não continuar a massacrar os civis. E como expressamente diz a "resolução 1973" - autoriza os Estados Membros da ONU "a tomar todas as medidas necessárias, sem prejuízo do disposto no 9 da Resolução 1970 de 2011, para proteger os civis áreas civis densamente povoadas sob ameaça de ataque na Líbia, incluindo Benghazi, ao mesmo tempo em que exclui uma ocupação estrangeira sob qualquer forma, em qualquer parte do território da Líbia”. É claro, que essa actuação em última instância, obriga a intervenção militar no caso de haver a resistência a resolução, para assim esta poder ser aplicada na íntegra.
Em relação à passividade do Conselho de Segurança noutros conflitos, concordamos plenamente com esse argumento, tendo em conta a postura e o interesse económico que vigora no Conselho de Segurança perante os países que dele fazem parte. Temos dados suficientes para afirmar isso, na medida que já houve grandes negligências cometidas, por parte deste Organismo nos vários conflitos, nomeadamente em África onde estava em causa a tremenda violação dos Direitos Humanos, que a Carta obriga mesmo a intervenção, que no entanto, o Conselho de Segurança nada fez. É preciso também, admitir que há uma séria de confusão em relação ao conceito da intervenção do Conselho de Segurança. A intervenção, não tem que ser necessariamente uma intervenção militar, como muitos pensam, mas também pode ser uma simples intervenção humanitária, a intermediação do conflito e aplicações de sanções ao país infractor do Direito Internacional etc.
Por conseguinte, admitimos que há algumas parcialidades noutras decisões no Conselho Segurança, todavia, excluímos por completo aqui a parcialidade invocada no caso da Líbia. As razões para esse nosso entendimento, prende-se como facto dos países africanos actualmente representados no Conselho de Segurança quês são: África do Sul, Gabão e Nigéria e o Líbano, que é um país da Liga Árabe - todos eles votaram a favor da "resolução 1973", isto é, dando a oval ao Conselho de Segurança a intervir na Líbia. Logo, o argumento da parcialidade no caso líbio, é improcedente por demonstrar ineficiência e fundamentação.
Perante os argumentos expostos, continuamos a entender que Khadafi foi bastante cruel para com o seu povo por razões já supra mencionados. Vamos admitir o cenário oposto da tese que acabámos de defender, e identificar plenamente com os argumentos dos apoiantes de Khadafi: mesmo que ele tivesse toda a razão do mundo perante os revoltosos, isto não lhe conferia nenhuma legitimidade para massacrar o seu povo. Como todos sabemos, Khadafi já está no poder há mais de quatro (4) décadas, o que lhe retira em princípio qualquer tipo de razão a tentativa de agarrar nele, por mais que as reivindicações dos revoltosos possam ser ilegítimas. Afirmamos isso, baseando-nos no facto do que ele não é o único líbio habilitado para governar o país, visto que a Líbia não é dele, nem sequer dos seus familiares, mas sim de todos. E se os líbios, querem mudar do rumo quanto ao modelo da governação, têm toda a legitimidade e liberdade para fazê-lo, é “o princípio da auto-determinação dos povos” independentemente de a mudança ser boa ou má, não cabe ao Khadafi fazer esse juízo, ou de tentar impor a sua vontade na orientação do destino da Líbia. Se os revoltosos querem de facto usurpar o poder como ele alegou, perguntamos: como é que Khadafi chegou ao poder? É por vias democráticas ou através de golpe de Estado/militar? Se ele usou a força para chegar ao poder, porque é que os outros não podem fazer o mesmo com ele?
Acresce ainda, o facto de nós consideramos que a situação da Líbia, não se pode fundamentar única e exclusivamente no critério da razão, para apoiar qualquer que seja, nem os revoltosos nem tão pouco Khadafi, porque é um problema extremamente complicado, que envolve perda de milhares de vidas humanas, que não se justifica somente na razão dos factos. A vida de nenhum ser humano, por mais imperfeito que possa ser, nenhuma razão pode intentar contra ela. É um valor que transcende qualquer tipo de justificação. Partindo deste entendimento, facto que nos leva a atribuir a total responsabilidade e culpa no Kadafi, por ter feito morrer milhares dos inocentes, por causa da sua sede de poder.
Importa esclarecer, que o objectivo do nosso artigo, não é de modo nenhum defender a guerra na Líbia, nem tão pouco concordar com as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou de considerar que a "Resolução 1973" é a mais adequada na solução do conflito líbio, longe de nós isso. O intuito do artigo, é tão simplesmente demonstrar a legalidade na decisão da intervenção do Conselho de Segurança, não obstante da nossa oposição a essa opção, por considerarmos que nunca devemos pagar o mal por mal, na medida que a guerra nunca resolve os problemas, antes pelo contrário agrava ainda a situação (o nosso artigo sobre “Uma Guerra Poderá ser Considerada Justa?”). Lamentamos profundamente as perdas humanas que houve em ambos os lados, e aproveitamos desde já para demonstrar a nossa indignação com tudo que se passou na Líbia, e fazendo votos que almas destas pessoas descansem em Paz.
Considerando tudo o que foi dito e reforçando ainda a nossa convicção, jamais apoiaríamos Khadafi na sua resistência e intransigência, nem tão pouco pactuar com os argumentos baratos dos seus apoiantes, razão pela qual a nossa posição tem merecido reparos e duras críticas, vindos por parte de muitos africanos por considerarem que não somos verdadeiros defensores da causa africana. Não aceitamos de modo nenhum estas críticas, por entendermos que são completamente injustas e não correspondem minimamente à verdade. Defender a causa africana, não tem nada a ver com ocultar a verdade dos factos ou de procurar ser irrealista na análise e juízo das coisas, só porque somos africanos. Defender África é muito mais que isso. Mesmo que um dia esse valor de “dever ser” for invertido, por astúcia e artimanha dos homens, jamais chegaremos a aceitá-lo, “porque nada podemos contra a verdade senão em favor da própria verdade”. (Apóstolo Paulo, 2 Coríntios 13:8).
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