Novos Desafios ao Desenvolvimento da Guiné-Bissau
A propósito da segunda tertúlia
organizada pela AEGBL (Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa), no dia 29-10-2011, foram afloradas brilhantes ideias conducentes ao
desenvolvimento da Guiné-Bissau. Registaram-se diversas perspectivas e diversas
formas de encarrar o problema do subdesenvolvimento do País.
Na verdade os jovens guineenses têm
estado muitíssimos atentos e preocupados com a nação, o que faz nascer o hábito
das discussões públicas -o que chamamos tertúlia, na minha perspectiva há-de se formar um grupo de pressão que não só
saberá levantar as vozes, mas também traduzir os dizeres em medidas concretas
ou, melhor dizendo, em propostas do desenvolvimento.
Ouvindo sugestões dos meus colegas, senti-me obrigado
a pensar duma forma ponderada mas ao mesmo tempo crítica sobre o sector gerador
de problemas. E nessa
esteira oferecendo desafios à 2
níveis:
Começando por Jurídico-Político e considerar arcaica as ideias que apontavam como
sector principal, quer dizer o ponto de partida rumo ao desenvolvimento-- a
saúde e a educação, quem diz educação e saúde diz energia e água.
Se não vejamos: desde a abertura
política na Guiné-Bissau, da
década de 90, que veio por
arrastamento da Liberalização Económica do ano 1986 promovido
pelo Nino Vieira, então presidente da
república, donde resultou a Primeira Eleição Livre, «Justa» e «Transparente»
no ano 1994, já se falava desses sectores como primordiais e
responsáveis pelo subdesenvolvimento do país, mas até a data presente não
melhorou nada. Esse facto
levou-me a achar que não é a raiz do problema, contudo, com isso
não quero prescindir a educação muito menos a saúde mas apenas, reparar e
chamar atenção pela total ignorância dos dirigentes no que tange a
essencialidade dos dois sectores acima referidos, uma vez que na Guiné hoje em dia a capacidade/o nível é confundido com
a fama, o poderio económico, o tráfico de influência e a arte de bem vestir.
A terça parte dos governantes beneficiaram dessa
confusão e ascenderam ao poder, bem… uma pessoa que não passou pela academia
nunca pode dar valor ao mesmo e muito menos fomentar o seu avanço, da mesma
forma que quem tem sempre disponibilidade financeira para requisitar a cura no
estrangeiro, salvando a sua vida e de toda a família não há-de ver a
necessidade de reorganizar e melhorar o serviço nacional de saúde.
Na minha modesta e humilde
opinião a raiz do problema é o Sistema Eleitoral, a solução urgente, imediata, inadiável e directa passa por reformar a lei
eleitoral, mexendo
na capacidade passiva e activa, respectivamente.
No
que tange a capacidade passiva, há que se estabelecer o mínimo de escolaridade,
idoneidade e carisma como condições para se candidatar a qualquer cargo da
nação-lembrando com isso que o analfabeto não pode e nem deve exercer cargos
públicos→in República-Platão,
ainda assim realçando a felicidade de alguns líderes que, não obstante a
ausência da capacidade comprovada por um título (certificados, diplomas e
etc..), tiveram uma boa capacidade de exercício, mas isso são casos esporádicos,
pelo que é pertinente mover nesse sentido.
No
concernente a capacidade activa digo e repito, estou insensível a várias críticas
de que já fui alvo ao defender a restrição dos votos, evitando assim os
votos inconscientes, se quiser votos arrasto (isto porque: as minhas longas e
recorrentes trabalhos nos processos de recenseamentos eleitorais e
consequentemente nas mesas das assembleias de voto,
tive
o cuidado/privilégio de perceber e captar duma forma directa a tamanha ignorância e indiferença com que a metade da população guineense encara o
processo eleitoral - ora porque não lhes afectam nem lhes beneficiam,
ora porque o poder político não é extensível à elas «o que não deixa de ser verdade» e, nos casos extremos, porque não lhes interessam para
nada — refiro-me aos comportamentos ou idéias que vão nas cabeças de alguns
idosos e das populações-incluindo jovens-habitantes das zonas mais longínquas,
se quiser, dos campos ou das «tabancas», que só votam porque alguém lhes
obrigaram ou lhes indicaram em quem votar. No fundo acabam por expressar nas
urnas a vontade dos anciões, dos chefes das tabancas ou dos régulos, que na
maioria das vezes formam o sentido do voto à partir do momento em que recebam
bens materiais de um determinado candidato ou quantias pecuniárias por parte do
mesmo). Reparem que a nossa perdição prende-se com esses votos
que são, salvo exagero, 75%. Ora se realmente estão cientes e dispostos a mudar
o rumo do país, temos que começar por aqui «Raiz
do Problema».
Há que se estabelecer um critério não tão rígido
quando comparado com o proposto para capacidade passiva, mas ter no mínimo a
noção da expressividade do voto, um nível aceitável de aculturação das ideais
democráticas, conhecimento dos candidatos (nome, perfil, capacidade), o
programa eleitoral dos mesmos e consequentemente uma autonomia na escolha,
obviamente que tendo esses atributos «é como quem tenha um nível de escolaridade aceitável
nesse âmbito».
Mas com esta restrição dir-me-ão: é pensamento retrógrado, é violação do princípio da
igualdade, é violação dos direitos fundamentais por fim é retrocesso social
(que significa tirar um Direito já conseguido ou atribuído-exemplo claro disso
são os cortes dos subsídios, pensões e benefício sociais a serem levados a cabo
pelo actual governo português), repare que existe no ordenamento jurídico
português um princípio de proibição de retrocesso social aplicada aos Direitos
fundamentais apesar de a doutrina estar dividida, mas é de anotar três posições:
Uma do Prof. Gomes Canotilho que diz
que o princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de
retrocesso social; uma muito particular do Prof. Doutor Jorge Reis
Novais que vai no sentido de identificar como restrições dos direitos
fundamentais às afectações, pelo que o princípio de proibição de retrocesso é
insustentável teoricamente e só facilita desvalorização jurídica dos direitos
sociais. Doutro lado temos a posição do Prof. Jorge Miranda, digamos
flexível, que vai no sentido de só admitir o retrocesso nas situações da crise
comprovada, isto porque os Direitos Fundamentais estão sujeitos à reserva do
possível (obviamente - um conceito indeterminado, que carece de concretização e
que consubstancia uma válvula escapatória dos políticos).
Em resposta a todas essas inquietações, e tendo em
linha de conta as divergências doutrinárias supra referidas, diria: sim, na
verdade pode até ser violação, mas não é por acaso que, a título de exemplo, a
Constituição portuguesa no seu artigo 18/2 2º Parte admite a
restrição dos direitos liberdades e garantias quando está em causa, quem diz
estar em causa diz estar em perigo ou estar ameaçado um interesse também constitucional
de valor superior.
A título efectivo, a norma
com igual conteúdo é encontrado no artigo 30/3 da constituição
da República da Guiné-Bissau - onde lê-se que «devem as leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias limitar-se ao necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podem ter efeitos retroactivos nem diminuir o
conteúdo essencial dos direitos».
Ora o interesse supremo, nesse caso, é a imagem/
prestígio do país, é o bom funcionamento da democracia, é o melhoramento de
qualidade de vida, é a saúde, é a educação, é liberdade de expressão, é a
cultura, é a segurança pública, entre outros…portanto restringimos os direitos
e resolvamos o problema, mas convém submeter a tal restrição um efeito elástico subordinado a um
limite temporal que terá como Limite
Mínimo a realização da eleição (com exigências
da restrição) que culminará certamente com a investidura dum Presidente da República
idóneo e dum governo recheado de sábios (teóricos) e peritos (praticantes). O Limite Máximo seria
a inserção democrática dos eleitorados.
Ainda a Nível Jurídico, ou melhor dizendo, legislativo frisar que, é importante rever o Código Civil Guineense que está mais
virado a realidade portuguesa, o que não é de admirar, uma vez que todos os
PALOP´s, excepto Brasil, fizeram um decalque do Código Civil Português, doravante CC Pt, o que em minha opinião não
tem mal nenhum, se se considerar que existe um modelo para tudo e nesse prisma
admitir que o CC Pt serviu de modelo ou melhor dizendo de ponto de partida para
a instrumentalização jurídica na Guiné-Bissau.
Mas não obstante isso tudo é preciso modificar,
aperfeiçoar e adaptar o CC a nossa realidade, mas convém ter em atenção o livro
IV e V (Dto da Família e Dto das Sucessões) donde advém problemas sérios, como
por exemplo: a
ligação entre a tradição/a vivência prática e o CC.
Pergunta-se? É mesmo preciso integrar no CC, na parte
do Dto da família, um preceito que diz: os pais devem alimentos em primeira mão
à sobrinhos, e só em segunda aos filhos, como acontece em algumas etnias, Ex: Balanta e Papel? É preciso integrar no Dto das
sucessões uma norma que diz: quando morre um pai da família deve o sobrinho
herda-lo na liderança da família inclusive a mulher ou mulheres, como manda a
etnia Manjaca e Papel? Isto não significa coisificar a mulher? Ainda pergunta-se, será que é
preciso criar dentro do livro da família e sucessões conjunto de
normas para cada etnia porque as tradições são diferentes e convém que as
normas também o sejam?
Resta-me responder o
questionário - sufragando a minha posição que vai no sentido de não enveredar pela ruptura
abrupta com a tradição, mas há que ter limites, há que ponderar bem porque no
final do dia havemos de perceber que a sociedade guineense precisa evoluir ao
ponto de banir, é essa a palavra certeira, as práticas nefastas, descabidas e
inconcebíveis, isto é, que chocam a opinião pública mundial (daqui fomentar a
globalização).
Não faz sentido nenhum as práticas como as supra
indicadas, ou seja um sobrinho não pode ter mais direitos que o próprio filho,
porque o filho sempre é mais próximo ao pai e tem mais relações afectivas. Onde
é que já se viu a herança da mulher? - É uma clara coisificação, é desrespeito
da liberdade de escolha, por parte desta do destino a dar a sua vida. Não é de admitir (até porque, apesar de
não existir nada na lei que proíba o casamento entre afins na linha colateral,
um «sobrinho» não deve relacionar com a «tia» (-ex-mulher do falecido tio) por
questões éticas, morais e da preservação do bom nome da família).
Conclusão: há que receber o Dto
da Família e Sucessões nas suas essências, se quiser fazer um copy paste, salvo
algumas adaptações, porque contém itens que apontam para uma mudança da mentalidade,
desenvolvimento da sociedade e unicidade da legislação (preterindo todas as práticas étnicas em caso de
dificuldade de compatibilização).
Na verdade o limite máximo a restrição da capacidade
activa, abre uma outra porta para o segundo nível que é
Sociocultural, na
justa medida em que é preciso investir na sensibilização da população, na
educação cívica, quando digo população digo jovens em especial, de modo a desprenderem dos bens materiais, das ilusões e do
conformismo, porque se formos a ver são esses
itens que nos tornam frágeis, corruptíveis e mobilizáveis.
É ainda necessário mudar a
mentalidade no seguinte sentido: os
jovens têm que parar de pensar que - lá porque estudaram já se tornam dignos de
ocupar cargos cimeiros, afastando os ditos tarimbeiros (preenchedores de
formulários na administração pública). A ideia é manter os teóricos junto dos
praticantes de modo a apreenderem a praticar. Nunca substituir o praticante
pelo teórico antes do teórico aprender a praticar.
Em suma, parece-me benéfico assinalar os seguintes
indicadores para o desenvolvimento da nossa Guiné:
→Reforma
da lei eleitoral.
→Total
independência do estado/órgãos da soberania (isto é tirar o estado da sombra do poder militar,
na verdade existe um efeito contrário daquele que devia ser a pirâmide normal
dum estado de direito democrático. Repare que as forças armadas integram o
ministério da defesa que integra o governo que por sua vez integra o estado,
hoje em dia na Guiné - no topo da pirâmide encontram-se as forças armadas. Não
é correcto, pelo que torna imperativo inverter a situação).
→Reforma
nas forças armadas (uma reforma que a classe castrense não pretende, não
obstante a aceitação formal por eles declaradas, na verdade eles propuseram uma
pensão a triplicar a garantida pela comunidade internacional ao governo, ou
seja, é uma recusa indirecta).
Repare que é uma pensão acima da média garantida aos
funcionários públicos, aos peritos e aos profissionais liberais, pergunta-se: o
quê que os militares fazem/produzem para merecerem uma pensão de luxo?
R: O que é sabido é que nos quarteis só há
três actividades, a saber: cantar hino nacional (na formatura logo de manhã e
no fim da tarde), jogar as cartas ou xadrez (dama) e por fim tomar as refeições
ou quando muito, e para não ser muito injusto, destacar alguns oficiais que
exercem outras funções de relevância social- na justa medida em que dão aulas
dentro ou fora dos quarteis contribuindo para a capacitação dos outros.
→Responsabilização
dos jovens-pais, por forma a obriga-los a um exercício parental plena,
garantindo o sustento, a educação e a protecção dos filhos. Quiçá consegue-se
evitar e estancar a multiplicação das famílias monoparentais, gravidez
precoce/indesejadas, a proliferação das mães solteiras e dos filhos abandonados
pelos pais.
→Diversificação
da agricultura, saindo da órbita da produção de Caju, se quiser prescindir um
pouco do Caju, que já deixou de ser sector estratégico, em prol da produção de
Batata-Doce, Feijão, Mandioca, Inhame, Manfafa, Tífa, Palmiti, Mangas, Milho e
Mancara.
→Incentivar,
regulamentar, industrializar e controlar a pesca.
→Afastamento total dos
políticos aos militares - separação imperativa das «águas», quer
dizer que, não é preciso que haja uma conexão dos primeiros com os
segundos, ou melhor dizendo, não é preciso o apoio dos segundos aos primeiros
para ter um mandato seguro, porque na realidade o sistema já garantiu a
segurança ao instituir os órgãos do poder político e ao editar que deve existir
a cooperação entre eles regidos pelo respeito, consideração e subordinação dos militares ao poder político.
→Investimento
na industria de sumos, compotas etc.., porque afinal das contas existem
matérias-primas em abundância e mal aproveitadas. Que tal valorizar os sumos de
Caju, de Forôba, de Mandipli, de Cabaceira, de Ondjó, de Tamarino e de Veludo?!
→Investimento,
zelo e valorização do desporto nacional, enaltecer que além de elevar o nível
de saúde, ajuda amparar os jovens desempregados e resignados do ensino,
evitando desse jeito a multiplicação do banditismo.
→Desconcentração
administrativa, de formas a descongestionar a cidade de Bissau.
Nos dias que correm é
necessário acreditar e trabalhar arduamente para atingir os traços do
desenvolvimento, deixemos de ser pessimistas, porque optimismo não se iguala a irrealismo, mas sim a aperfeiçoamento e autocorrecção. Há que saber dar valor ao que é nosso.
É tempo de avançar mas deixando de lado o pessimismo e
resignação que não são alicerces, ou melhor
«ELIS I CA
FIRKIDJAS».
DONE BY: Ricardo Vicente Lima
da Costa
e Silva.
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